Dias atrás, vi um vídeo de uma sessão do STF em que uma advogada foi severamente repreendida pelo ministro Marco Aurélio Mello por ter se referido aos juízes do tribunal como "vocês".
– Inclusive, queria confessar aqui pra vocês… – ia dizendo a advogada, quando foi interrompida por Marco Aurélio, que protestou:
– Presidente! Novamente, a advogada se dirige aos integrantes do tribunal como "vocês"! Há de se observar a liturgia! E é uma doutora! Professora!
Constrangida, a advogada pediu desculpas e alegou que cometeu o deslize "talvez por estar nervosa".
O ministro tinha razão quanto à importância da observação da liturgia, mas fiquei com dó da advogada. Porque estava claro que ela não queria ser desrespeitosa. Ela, realmente, parecia apenas nervosa por estar diante daquelas excelências togadas. Marco Aurélio poderia ter sido mais suave, poderia até brincar com o embaraço da moça, mas preferiu jogar sobre ela o peso da sua autoridade.
Foi uma cena didática, porque mostrou como um juiz dado a pompas, como Marco Aurélio Mello, preza exatamente isso: a autoridade. E, por ironia, foi ele quem, entre os 11 ministros do STF, mais lutou contra a prisão em segunda instância, obtendo sucesso no julgamento dessa quinta-feira, em Brasília.
Digo que é ironia porque, com sua decisão, Marco Aurélio e seus colegas de tribunal solapam a autoridade que tanto reivindicam. Não sou eu quem diz, são cinco outros ministros do mesmo STF: ao permitir que um condenado permaneça em liberdade até que a última instância se manifeste, o tribunal consagrou a impunidade. Porque, agora, ricos e poderosos terão possibilidade de arrastar um processo ad infinitum, para usar o latinório do qual gostam de se valer as Suas Excelências.
Não faz muito, em outra sessão do STF, o ministro Luís Roberto Barroso listou o número de protelações que uma ação obteve depois de uma condenação por homicídio, com o advogado do réu interpondo recursos sobre recursos e embargos sobre embargos, tendo o único objetivo de adiar a execução da sentença. Conseguiu: o caso era de 1991, e ainda estava sendo apreciado pelo STF. Só quem dispõe de muito dinheiro pode se valer desses artifícios.
Ao referendar esse privilégio aos ricos, o STF deu uma bofetada na maioria da população brasileira, porque referendou a impunidade e a desigualdade. Ao referendar a impunidade e a desigualdade, passou um claro recado a cada cidadão: o de que o Estado tem dono. E quem respeita um Estado que tem dono? Quem respeita um Estado que serve aos poderosos? Quem respeita esse tipo de justiça ineficiente e, por isso, injusta, uma justiça com jota minúsculo?
Respeito não se ganha com o cargo, como pensa o ministro Marco Aurélio. Respeito se conquista.