Um senhor de cabelos brancos entrou no elevador em que eu estava, no Dana-Farber Hospital, aqui de Boston. Aparentemente não havia nada de especial nele, mas notei que as pessoas o tratavam com deferência incomum. Quando saiu, elas ficaram balançando a cabeça com óbvia admiração e cochichando elogios. Achei curioso. Perguntei a um médico que conhecia:
– Quem é esse que causou comoção?
Ele ergueu o queixo com certa solenidade antes de responder:
– É um Prêmio Nobel!
Fiquei encantado. Era a segunda vez que tinha estado tão perto de um Prêmio Nobel. Na primeira foi um Nobel da Paz: Nelson Mandela. Estava tentando entrevistar Brizola, quando ele era governador do Rio, e, devido a certas circunstâncias, vi-me diante dele, Brizola, e de Mandela, no Copacabana Palace. Mandela, alto, magro e simpático, olhava para mim e sorria com condescendência. Poderia estar pensando: “Esse aí não é um Prêmio Nobel”.
Não sou mesmo, mas, passados 18 anos, dividi o elevador de um hospital com um Nobel de Medicina, como contei. Acho que isso deve ter alguma importância.
A verdade é que, nesse hospital, o Dana-Farber, você tem boas chances de esbarrar em um Nobel. O vencedor deste ano, inclusive, trabalha lá, sua conquista foi anunciada nesta segunda-feira e foi por isso que lembrei daquela minha subida histórica de elevador. Porque pensei: como se explica que cientistas americanos sejam tão laureados e os brasileiros não? Não temos, no Brasil, um único Nobel, em área alguma… Por quê? É porque os Estados Unidos têm um capitalismo dinâmico e o nosso é atrasado? É porque os empresários americanos são mais abertos ao investimento em pesquisas? É porque a sociedade americana é educada para valorizar a ciência?
Tudo isso pode ser verdade, mas apenas em parte, e uma pequena parte, porque o maior financiador de pesquisas científicas nos Estados Unidos é… o Estado. Quem diria? No país campeão do capitalismo democrático mundial, o Estado financia mais de 40% dos estudos científicos.
Você talvez considere isso um contrassenso. Afinal, o liberalismo acerbo prega que o Estado só atue em áreas específicas, como a segurança pública. Os liberais americanos, porém, sabem o que significa o investimento estatal em pesquisa.
Eles sabem que aquele velhinho que partilhou comigo o elevador talvez tenha passado 20 anos de sua vida pesquisando uma única molécula. E ele não estava sozinho: havia uma equipe que o auxiliava, trabalhando todos os dias em um laboratório sofisticado, e outros cientistas, em outros departamentos, com outras equipes. Isso não é barato. O cálculo é de que uma pesquisa de 15 anos de duração custe pelo menos US$ 800 milhões. Com um detalhe: muitas dessas empreitadas fracassam. Milhares de cientistas, ajudados por milhares de equipes técnicas, consumindo bilhões de dólares, não fazem descobertas geniais e não ganham o Nobel.
Uma empresa privada, com acionistas pressionando pelo lucro, hesita em fazer investimentos desse tipo. Pode fazê-los, mas, em geral, será com apoio de programas do Estado. São esses programas que garantem o bom sucesso da ciência. Que permitem que os cientistas desenvolvam drogas novas e encontrem a cura de doenças que atormentam a humanidade. Que salvam vidas. No final, o dinheiro que foi gasto volta multiplicado: o governo ganha em arrecadação robusta, os laboratórios ganham com lucro certo, os pacientes ganham com tratamentos eficientes.
E o velhinho ganha o Nobel. Ele merece.