Estava pensando em Dilma. Você talvez ache estranho que pense em Dilma numa hora dessas, mas penso. É espantoso tudo o que aconteceu com ela.
A trajetória de Dilma Rousseff prova que, às vezes, a gente olha para as coisas a distância, de uma imparcial perspectiva histórica e… se engana. Isso acontece porque esquecemos das coisas como elas eram e as vemos apenas como o que elas se tornaram.
No caso de Dilma, em março de 2013 saiu uma pesquisa que a consagrou como a presidente mais popular da história do país. Ela batia todos: Lula, FHC, Itamar, todos.
Estou falando, repito, de março. Em junho, explodiram manifestações pelo país, as Jornadas de Junho, e a popularidade de Dilma desabou, para nunca mais voltar ao que era.
O que houve naqueles três meses para motivar tamanha mudança?
Na verdade, nada. E tudo. Porque a mudança não aconteceu, ela vinha acontecendo.
Vou retroceder um pouco, vou recuar a 2007. Eu estava no Maracanã, na cerimônia de abertura do Pan. Eu ouvi a vaia que amassou Lula. Foi uma vaia compacta, maciça e dura. Quem estava no estádio podia ver e tocar a vaia. Aquele episódio mostrou uma mudança no Brasil: a classe média havia rompido com Lula.
Por que houve tal ruptura, se a economia ia bem?
Exatamente por isso. Porque a classe média percebeu que a economia ia bem, enquanto ela, classe média, ia mal. A violência urbana aumentava e a qualidade das escolas e dos hospitais diminuía, a arrecadação do governo era cada vez maior e a competência dos serviços públicos era cada vez pior. Ao mesmo tempo, a corrupção grassava na mesma medida em que obras públicas caras e questionáveis se multiplicavam.
Lula, sensível que é, compreendeu o momento e procurou apoios dos extremos: o das classes mais pobres, intensificando os programas sociais, e o dos empreiteiros e banqueiros, instituindo o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Não era a primeira vez que esse recurso havia sido utilizado. O regime militar também foi desenvolvimentista e governou por meio de programas. É uma saída relativamente fácil – o governante não precisa fazer, só precisa dar dinheiro para que seja feito. Claro que as grandes reformas (tributária, penal, política, federativa, previdenciária, de saúde, de educação) ficam intocadas, mas assim também fica intocado o prestígio do governo, já que elas são impopulares.
Note que não é complicado agradar aos mais ricos e aos mais pobres – basta dar dinheiro a eles. Já construir uma nação, com um sistema funcional e resistente, é tarefa muito mais complexa. Lula não mudou as estruturas do país, como poderia, mas criou uma entidade nova na política brasileira: o lulismo.
Foi a força do lulismo que inventou e elegeu Dilma. E, no início, Dilma parecia até corrigir o lulismo de seus defeitos. O olhar em perspectiva histórica vai impedir que você veja, mas, nos primeiros tempos, Dilma passou uma imagem de gestora competente e honesta. Ela estaria limpando o governo dos entulhos deixados por Lula, demitindo ministros considerados suspeitos de ilícitos, depurando a administração. A maneira como ela tratava os auxiliares, mais tarde considerada grosseira inabilidade, era olhada com aprovação: Dilma seria intolerante com a corrupção e a incompetência. Era dessa mão firme que o Brasil precisava.
Mas a classe média continuava desconfiada, porque sua vida não melhorava. Ao contrário, o homem de classe média tinha medo de sair à rua e ser assaltado debaixo de um semáforo. Quando saía, via-se preso no engarrafamento causado por uma passeata de servidores. O homem de classe média repudiava as invasões de terras e as ocupações de prédios públicos. O homem de classe média reclamava por ter de pagar por saúde, educação e segurança privadas, além de impostos que deveriam lhe fornecer saúde, educação e segurança públicas. Foi esse sentimento que construiu as Jornadas de Junho. Foi assim que tudo começou a mudar.
Mas tenho mais a falar de Dilma. Falarei na próxima coluna, e direi por que falo.