— O que fazer quando cai a máscara de civilidade e o que aparece é uma imagem assombrosa de nós mesmos?
A pergunta sai pela voz em off da cineasta Petra Costa em Democracia em Vertigem, documentário que foi disponibilizado nesta quarta (19) na Netflix.
— Onde reuniremos força para caminhar através das ruínas e começar de novo? — acrescenta.
Diretora mineira com filmes premiados no currículo, como Elena (2012), Petra lança um documentário que reforça a corrente de produções dedicadas à sucessão de terremotos da política brasileira nos últimos anos. Foram exibidos recentemente filmes como O Processo, de Maria Augusta Ramos, e Excelentíssimos, de Douglas Duarte.
Surgem em Democracia em Vertigem imagens de impacto dos protestos de junho de 2013; do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016; da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018; e da vitória de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa para o Palácio do Planalto, também em 2018.
Além de reconstituir esses acontecimentos de repercussão internacional, a diretora expõe passagens de sua história pessoal, ligada à política. Ela está atrás da câmera e, por vezes, na frente dela.
Sob a ditadura militar, seus pais integraram movimentos estudantis e foram ativistas de organizações de esquerda. Mas o conservadorismo não lhe é estranho. Neta de um dos fundadores da construtora Andrade Gutierrez, a diretora conta ao longo do filme que grande parte de sua família apoiou Bolsonaro.
Para amarrar as linhas do que é público (as turbulências da política do país) e do que é particular (alguns momentos da sua vida), Petra teve a colaboração de roteiristas como Carol Pires, jornalista que cobriu o impeachment de Dilma pela revista piauí.
A cineasta não esconde a simpatia pelas propostas da esquerda, mas a preferência não a leva a tratar os governos Lula e Dilma de modo ingênuo ou maniqueísta. No caso da presidente, por exemplo, o filme lembra os erros na gestão da economia. Não é, contudo, um documentário que se proponha a fazer análises, afirma Petra.
— É um filme que não procura afirmar verdades, mas contar o ponto de vista de uma cidadã (ela mesma) numa crise democrática e mostrar o quanto essa crise é dolorosa para pessoas de todos os campos políticos — diz.
Democracia em Vertigem apresenta imagens inéditas de Lula, algumas de valor histórico e jornalístico. Foram cedidas à diretora pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que acompanhou o ex-presidente por muitos anos.
Entre elas, há o registro do encontro de Lula e Dilma logo após a confirmação da vitória dela na eleição de 31 de outubro de 2010. Entre abraços, Dilma fala:
— Ê, presidente, o senhor inventou essa.
No campo oposto, o acesso da diretora foi mais restrito. Petra conta ter insistido nos pedidos de entrevista para políticos que, outrora, foram expoentes do antipetismo, como Aécio Neves (PSDB), hoje deputado federal. Aécio não falou.
Mas ela conseguiu ouvir mais de uma vez Jair Bolsonaro, um parlamentar que, em 2016, percorria o país como aspirante à Presidência. Num dia agitado no Congresso, em meio às discussões sobre o impeachment de Dilma, ele disse:
— Me chamam de grosso, homofóbico, fascista etc. Eu sou um herói e estou cada dia mais vivo perante a opinião pública.