Foi no Ginásio da Brigada que jurei à bandeira. A gente tinha de fazer isso quando era dispensado do serviço militar. Nos reuníamos, milhares de guris de 18 anos de idade, e, sob as vistas severas dos sargentos, prometíamos defender a pátria caso houvesse uma guerra ou uma revolução ou algo do gênero. Fiquei pensando que não seria de grande utilidade para a pátria, se fôssemos lutar contra, sei lá, paraguaios ou argentinos, mas se meu juramento a deixava mais tranquila, tudo bem. Por que não fazer uma ou duas promessas por uma boa causa?
Fiz.
Parece que agora estou dispensado do juramento. Pessoas com mais de 45 anos não precisam ir para a guerra. Portanto, se a Argentina nos invadir, tudo com vocês. São as vantagens da idade provecta.
Lembrei daquela cerimônia porque agora o Ginásio da Brigada não existe mais. Botaram-no abaixo neste fim de semana. Não posso dizer que a perda me levou às lágrimas, o Ginásio da Brigada não era exatamente das paisagens mais belas da cidade, mas uma ou duas histórias da minha vida se passaram lá.
Joguei muita bola no Ginásio da Brigada. O futsal sempre foi meu esporte preferido, desde que era chamado, com muito mais propriedade, futebol de salão.
Certa noite, fui jogar lá com os colegas da Zero Hora e levei junto dois amigos do IAPI, o Amilton Cavalo e o Jorge Barnabé. Entre o pessoal da Zero Hora havia um chefete que eu e o Diogo Olivier detestávamos. O sujeito era arrogante e autoritário, nós havíamos testemunhado várias cenas em que ele tinha humilhado repórteres iniciantes. Quando soubemos que ele ia junto, suspiramos e pensamos a mesma coisa: “Esse cara vai estragar nosso joguinho”.
De fato, mal a bola rolou, ele começou a gritar. Reclamava, queria mandar em todo mundo, criticava os outros. Na linha do nosso time estávamos eu, ele, o Diogo e o Amilton Cavalo. Mas ele pouco incomodou a mim e ao Diogo. Concentrou-se no Cavalo. Passou o tempo todo xingando-o, aos berros, de uma forma que, no IAPI, seria motivo para grave contencioso.
De repente, o Cavalo levantou o braço e acenou para um colega que estava na lateral, esperando para participar do jogo:
– Eu vou sair! Entra aí!
Eu já sabia o que ia acontecer.
O joguinho durou mais uns 10 ou 15 minutos. O Cavalo ficou à margem da quadra, observando, esfregando as mãos. Eu, ansioso, torcia para que a partida acabasse de uma vez.
Acabou.
Então, ocorreu o que eu já previa: o Cavalo galopou quadra adentro, avançando diretamente para o chefete, apontando-lhe o indicador e rosnando:
– Agora eu vou te ensinar como se fala com um homem!
Gostei da frase. Nunca mais a esqueci.
O chefete preparou-se para o confronto, cerrou os punhos, mas não teve tempo de dizer uma única cucamonga: o Cavalo desferiu-lhe dois murros, um com a direita no olho esquerdo, outro com a esquerda no olho direito. O chefete cambaleou e caiu sentado. Tentou erguer-se, mas a turma do deixa disso interveio:
– Calma aí! Calma aí!
O Cavalo aguardava, olhando-o fixamente, com a serenidade dos vingados, enquanto ele uivava:
– Me larga! Me larga!
Eu, saboreando a cena, recomendava:
– Se eles querem brigar, deixa brigar!
Sei que é maldade regozijar-se com a violência, sei que toda violência é reprovável e desprezível e condenável, sei disso, sei e concordo, mas ver um chefete prepotente ser enquadrado foi lindo.
Se largassem o chefete, é claro que ele refugaria. Mas não largaram, apesar dos meus conselhos ponderados. Depois de uns 20 minutos, saímos, enfim, do Ginásio da Brigada. O chefete foi embora sozinho, atrás de seus dois olhos roxos. Eu, o Diogo, o Cavalo e o Barnabé fomos a um bar que havia ali perto, sentamos em torno a uma mesa, pedimos cerveja gelada e brindamos à noite gloriosa. Sei que é maldade regozijar-se com a violência, sei que toda violência é reprovável e desprezível e condenável, sei disso, sei e concordo, mas ver um chefete prepotente ser enquadrado foi lindo.
Agora, foi-se o Ginásio da Brigada. Foi-se, e nem bonito era. Foi-se. Mas suas histórias ficarão.