1. É certo enfileirar casinhas de cachorro na calçada, para cães sem dono?
2. É certo permitir que moradores de rua ocupem praças e canteiros públicos?
3. É certo a principal rua da cidade ser tomada por camelôs?
4. É certo levantar um espigão de 130 metros de altura em frente ao rio?
Essas são quatro questões de Porto Alegre. Todas são polêmicas. Mas as polêmicas só existem porque são debates atinentes a Porto Alegre. Se fossem de outras cidades, de outras partes do mundo, não haveria dúvida. Vou usar o exemplo de Boston, porque estou vivendo aqui há bastante tempo e conheço o lugar. Como os cidadãos de Boston responderiam às perguntas que fiz acima? Sei como. Assim:
É errado colocar casinhas de cachorro na calçada. Uma cidade não pode ter cães vadios andando pelas ruas, por causa da segurança das pessoas (cachorros mordem), da higiene e do bem-estar dos próprios animais.
Moradores de rua, aqui chamados de homeless, não podem montar “casinhas” em locais públicos, porque os locais públicos são… bem, públicos. Devem ser utilizados por todas as pessoas e não privatizados.
Nenhuma rua pode ser tomada por camelôs, porque prejudica a circulação de pessoas e o comércio às margens das calçadas.
Só se pode erguer um espigão em área de espigões. A cidade precisa ter harmonia urbanística, sem grande variação de altura de prédios numa mesma região. Além disso, prédios altos em frente a cursos d’água impedem a circulação de ar na cidade. Para arrematar, os centros urbanos importantes estão caminhando em sentindo oposto à verticalização das construções – estão priorizando a integração das edificações com a natureza.
Se não falássemos de Porto Alegre, portanto, essas polêmicas não existiriam. A diferença é que Porto Alegre é uma cidade refém da própria pobreza. Como, de resto, o Brasil inteiro.
Tempos atrás, o Lucas Mendes, do Manhattan Connection, contou que havia desistido de vez de voltar ao Brasil quando, durante uma visita ao país, viu um cachorro zanzando sozinho por uma rua de Belo Horizonte.
– Aquilo foi deprimente – disse – foi um símbolo do nosso atraso.
De fato, você pode medir o desenvolvimento de um lugar pelos cachorros vadios que são vistos nas ruas e pela qualidade das calçadas. E numa cidade pobre, como Porto Alegre, há centenas, talvez milhares de cães sem dono, sem que a prefeitura tenha condições de cuidar deles. Assim, as casinhas na calçada parecem uma improvisação bondosa.
Quanto aos moradores de rua, há 4 mil deles em Porto Alegre. Se a prefeitura tira a barraca de um deles de uma praça, ele vai montá-la lá adiante, em outra. Desta forma, ver barracas e barracos pelas ruas torna-se natural para o cidadão.
Já os camelôs, se todos eles forem banidos, suas famílias ficarão sem recursos numa época em que 12 milhões de pessoas estão desempregadas. Assim, compreende-se a atuação deles, ainda que seja prejudicial ao comércio que paga os impostos e seus funcionários.
E o monstrengo ao lado do Beira-Rio, quem o defende alega que sua construção gerará, exatamente, muitos empregos dos quais o país sente tanta falta.
Viu como é difícil? A nossa pobreza faz mais do que nos privar de confortos materiais. A nossa pobreza nos rouba até a beleza.
E faz com que não saibamos mais o que é o certo e o que é o errado.