Agora mesmo, bocejei. Isso faz de mim uma pessoa sonolenta? Preocupa-me, porque significaria que não posso ser churrasqueiro em Morro Reuter.
Esse interdito está bem especificado no anúncio de emprego que um restaurante dessa bela cidade de colonização alemã publicou, dias atrás. Eles querem um churrasqueiro que “tenha disposição”. É exatamente o que está escrito no texto, mas, para ficar ainda mais claro, eles puxaram uma vírgula e, depois, fincaram um ou seja: “...ou seja, não ser uma pessoa sonolenta”.
Li sobre o anúncio na coluna da Giane Guerra. Ela, como boa repórter que é, não se contentou com aquele “ou seja”. Fez mais: entrevistou o dono do restaurante e solicitou detalhes acerca da exigência. Ele, então, explicou:
– As pessoas ficam bocejando sem parar!
Essa observação me deixou realmente aflito. Porque, já admiti, bocejo. Durante o Sala de Redação, por exemplo, várias vezes me pego bocejando. É que esse horário, de depois do almoço, é crítico. Dá uma soneira…
Houve época em que eu trabalhava no departamento de cobrança das antigas lojas JH Santos. Era uma função interna, burocrática. Os escritórios ficavam na Otávio Rocha, em frente à Renner. Eu chegava cedo, muito cedo, batia o ponto e ia para a minha mesa. Ainda não tinha me acomodado na cadeira e um chefe se materializava ao meu lado e me passava um punhado de tarefas. Eram três chefes, todos sisudos, mas um especialmente brabo. Eu tinha medo daquele chefe. Ele nunca ria. Nunca.
Pois era justamente o chefe brabo que rondava perto da minha mesa depois do almoço. Eu traçava um PF no Centro e voltava com a barriga ronronando feito um gato no sofá. Ele mal me enxergava e já vinha com um maço de formulários. Você precisava ver aquilo. Acho que ele fazia de propósito: eram umas folhas enormes, de papel almaço, quadriculadas. Eu tinha de escrever uns números dentro dos quadradinhos. Não podia errar, senão aconteceria alguma coisa muito grave.
Então, lá estava eu, depois do almoço, tentando fazer a digestão em paz, sentado no meu canto, de cabeça baixa e caneta na mão, colocando números dentro de uns malditos quadradinhos. Que sono dava. Era irresistível, eu simplesmente cochilava com a caneta na mão. O chefe via e desferia um tapa na mesa: PÁ! Eu saltava na cadeira e ele rosnava:
– Tá dormindo?
Eu:
– Não, não…
E seguia a minha sina.
Talvez eu devesse ser espanhol. Os espanhóis têm o hábito da sesta. Tudo para e cessa na Espanha após o almoço. As noites, em compensação, se estendem até o amanhecer. Nos anos 1980, passei um bom tempo em León, linda cidade de uns 300 mil habitantes. Lá havia três boates que ABRIAM às seis horas da manhã.
Primeiro sesta suave, depois noite forte. Muito civilizado.
Primeiro sesta suave, depois noite forte. Muito civilizado.
A propósito disso, sempre lembro que o general Geisel, quando presidente da República, fazia o seguinte, todos os dias, depois de almoçar: subia para a ala residencial do Alvorada, tirava o terno, vestia o pijama, dormia meia hora, precisamente meia hora, não mais do que meia hora, após o que levantava, tirava o pijama, entrava no paletó e voltava ao trabalho.
Geisel, portanto, também devia ser acometido por sonolências por volta do meio-dia, como eu e os espanhóis.
No fim de semana, descobri outro personagem que também deve sentir essa nossa necessidade, às vezes urgente, de repouso: Tardelli, do Grêmio. Se num Gre-Nal, com o estádio cheio, ganhando R$ 1 milhão por mês, ele joga como se estivesse com sono, imagina depois do almoço.
Ah, não: eu, Geisel, os espanhóis e Tardelli não podemos ser churrasqueiros em Morro Reuter. Uma lástima. O mercado de trabalho está ficando a cada dia mais restrito.