Tinha uma bala que eu adorava. Era verde, elíptica, parecia uma bola de futebol americano minúscula, de hortelã. Estava sempre com um punhado dessas balinhas no bolso e passava o dia inteiro com uma na boca.
Que arrependimento.
Balas são formadas basicamente por açúcar e açúcar causa cáries. Se nós comêssemos só o que nossos antepassados pré-históricos comiam, os dentistas iriam à falência. A dieta dos bons tempos do nomadismo era montada pelo que se podia caçar e coletar: carne, frutas, raízes… Então, as pessoas nem precisavam escovar os dentes, e mesmo assim suas bocas eram saudáveis.
Isso de escova e pasta é coisa recente. Claro que as pessoas sempre tentaram limpar suas bocas, até por questões estéticas. Na antiga Roma, inclusive, acreditava-se que urina humana ajudava a clarear a dentadura. Mas o ritual da pasta na escova surgiu apenas no meio do século 19, e ainda assim encontrou resistência.
O camarada Mao Tsé-Tung, por exemplo, não gostava de escovar os dentes, nem de tomar banho. Sua higiene pessoal era feita por jovens e belas mulheres que ele escolhia com critério para que, à noite, esfregassem toalhinhas úmidas por todo o seu corpo. Os dentes ele achava que limpava mastigando folhas de chá verde. Isso fazia com que sua dentadura estivesse sempre coberta por uma membrana verde e pastosa e que seu hálito quase pudesse ser tocado quando ele falava. Quando o médico de Mao insistia para que aderisse à higiene bucal, ele respondia:
– Os tigres não escovam os dentes.
Para você ver como tem argumento para tudo.
Mas a verdade incontornável é que você deve escovar os dentes e não deve comer balas. Não entendo por que levei tanto tempo para aprender isso. É que nem a história do protetor solar, de que o Bial tanto fala. Ele tem razão – um dos meus arrependimentos na vida é não ter usado protetor solar na juventude.
Mas não foi culpa minha. Nem no caso das balas, nem no do protetor. A gente simplesmente fazia o que todos faziam. Até uns, sei lá, 20 anos de idade, nunca havia visto alguém se proteger do sol na praia. Ao contrário, as pessoas se besuntavam com bronzeador. Algumas faziam um troço em casa mesmo, misturavam Coca-Cola com óleo Johnson e iam se fritar. Eu, que sempre fui branquicela, sofria com a discriminação. Uma tarde, quando era repórter do Diário Catarinense, cheguei ao treino do Criciúma e o preparador físico Heroíno Machado me olhou, balançou a cabeça e ralhou:
– Tu estás branco, David. Branco! – havia certa repulsa em sua voz. Ele acrescentou: – Isso é doentio. Doentio!
Tinha boa intenção, o professor Heroíno. Queria me salvar. Mas eu não podia ser salvo nem indo à praia todos os dias. Eu só podia ficar vermelho e, depois, descascar tristemente.
Aliás, falei aí em “treino do Criciúma”. Treino, antes, era isso: uma preparação para algo maior. Um ensaio. Hoje, não. Hoje, todas as pessoas treinam e o treino é uma atividade com fim em si mesma. Elas não treinam para se aperfeiçoar para uma competição ou para alguma apresentação. Elas treinam por treinar. Levantam pesos pesadíssimos, correm, nadam e pedalam até a exaustão. Para quê? Dizem que é para preservar a saúde, para enfrentar a velhice com mais dignidade e força. Uma boa razão. Mas, quando essa velhice enfim chegar e elas não puderem mais consumir tantas horas em exercícios físicos, o que elas farão dos seus dias? Elas estão viciadas no movimento, e o corpo pede mais descanso do que atividade. E agora?
Ah! Eis aí algo que, como as balas de hortelã e o bronzeador de Coca-Cola, talvez faça mais mal do que bem. Porque está provado que as pessoas que apreciam atividades intelectuais são mais felizes. Elas usufruem de suas horas paradas, de seu tempo de solidão, e sentem menos as dores da nostalgia dos tempos de músculos rijos, articulações flexíveis e pele macia. Aliás, há um personagem do qual quero falar. Mas falarei amanhã. Aguarde.