Sempre digo, e repito, que sou a favor da hipocrisia. Só a hipocrisia salva casamentos e impede a guerra do fim do mundo. E o contrário da hipocrisia não é a pureza da verdade, é a sinceridade grosseira e, em geral, inconveniente.
A não ser que se use o bom humor.
O filósofo e centromédio Vampeta foi quem proferiu a frase que talvez seja a mais honesta e genial a respeito da hipocrisia. Ao falar acerca dos atrasos de salário no clube em que jogava, o Flamengo, Vampeta asseverou:
– Eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo.
A hipocrisia é muito mais útil em sociedades imperfeitas, como a nossa, brasileira.
Brilhante. Coruscante. Faiscante.
A hipocrisia é muito mais útil em sociedades imperfeitas, como a nossa, brasileira, mas não me venham esses ricos do Primeiro Mundo se exibir com suas certezas, que sei muito bem como eles, às vezes, têm de sacar desse que é o mais humano dos predicados.
Os americanos, inclusive, logo eles, com suas raízes puritanas, que sentem tanta ojeriza à mentira, eles não raro precisam se socorrer do analgésico da hipocrisia. Lembro do caso de Bill Clinton com Monica Lewinsky, nos anos 1990. Para que Clinton pudesse continuar na presidência, teve de “provar” aos americanos que felação não é sexo. E os americanos, para aceitar a manutenção de Clinton na presidência, tiveram de dizer que acreditavam nisso. Foi um debate risível, que se deu apenas para fornecer sustentação moral à hipocrisia. No fim, todo mundo aceitou, mas todo mundo sabia o que aconteceu.
A hipocrisia, como sói acontecer, salvou as aparências.
No Brasil, o atual debate nacional também só se sustenta graças a nossa proverbial hipocrisia. Porque nós, como os americanos, sabemos qual é a verdade, mas preferimos a discussão parnasiana a fim de aproximar a realidade do desejo, o que é muito mais conveniente.
Nós sabemos, por exemplo, que Moro agiu em coordenação com o Ministério Público para colocar políticos poderosos e empresários bilionários na cadeia. Sempre soubemos disso. E sabemos, ainda, que não é ético. Mas não nos escandaliza, porque sabemos que, se ele não fizesse assim, não conseguiria prender ninguém e a corrupção continuaria grassando. Hipocritamente.
Outra verdade que sabemos é que a correspondência de Moro com os promotores foi obtida por meios escusos. É óbvio que houve a ação de um hacker bastante habilidoso, ou não haveria 1 milhão de mensagens privadas no arquivo do site Intercept. É errado, mas vale para quem quer bater em Moro.
Ainda a propósito dessas mensagens, nós sabemos que nenhuma delas absolve alguém que foi condenado. Todos são culpados, inclusive o mais famoso deles, Lula.
A questão Lula, aliás, é especialíssima, quando o tema é hipocrisia. Porque quem ama Lula não se vale de uma hipocrisia cínica como a de Vampeta. Não. É uma hipocrisia amorosa, materna, quase religiosa.
Eu mesmo, em apreço aos meus amigos petistas, tento aceitar seus argumentos, mas chega um momento em que não dá mais. Como no caso do sítio de Atibaia. Nesse, Lula foi descuidado, o que não é próprio de sua conduta cautelosa. Porque você, que ama Lula, pode dizer que o sítio não é dele. Tudo bem, não existe escritura e tal. Mas terá de admitir que Lula frequentava o sítio como um proprietário zeloso. Há registros de que ele foi lá pelo menos 111 vezes e os seguranças da Presidência receberam mais de mil diárias para ficar 283 dias no local, à sua disposição. As coisinhas do Lula estão lá, suas roupas, suas bebidas, o barco dos netos, aquela coisa toda. Então, é certo que Lula FREQUENTAVA MUITO o tal sítio. Inteirado disso, me responda: como se explica que três empreiteiras tenham feito reformas de mais de R$ 1 milhão no lugar DE GRAÇA? Por que, meu Deus? Por quê?
Por mais hipócrita que eu queira ser, não há como explicar isso. Logo, até quem ama Lula sabe que ele pecou.
Já Bolsonaro, seus defensores vociferam que sua maior qualidade é não ser hipócrita. Nada mais equivocado. Bolsonaro é um campeão da hipocrisia. Critica o que chama de “velha política” da qual ele e os três filhos são produtos. Critica governos que privilegiavam apoiadores e quer nomear o próprio filho embaixador nos Estados Unidos. Jura que não é preconceituoso e governa por meio de preconceitos. Como diria Fernando Pessoa: “Arre!”.
Bolsonaro. Moro. Lula. Intercept. Você pode ser a favor de qualquer um deles. Você pode ser contra qualquer um deles. Mas você sabe muito bem quem eles são.