Acho que você ainda não percebeu que nós estamos em guerra. Não é polarização, é guerra. E, como toda guerra, os inocentes também podem levar tiro. Em geral, levam.
Você, sei bem, é um deles. É um inocente (meus leitores são). Então, talvez lhe seja fácil não fazer juízo de valor, por um momento. Assim, tente não pensar em Lula, Moro, intercept, Bolsonaro, o que seja. Esqueça-os até o fim desta crônica. Não nos interessa, agora, quem está certo ou errado. Nos interessa é o tipo de arma que eles estão usando na guerra.
Foram muitas as armas empregadas. A última, a publicação de correspondência privada de promotores e juízes. Trata-se de uma possibilidade de ataque assustadora. Porque os hackers são capazes de invadir qualquer celular, qualquer computador. Eles devassam o sistema de segurança do governo norte-americano, por que não conseguiriam descobrir a sua senha, mesmo que seja formada por letras, números e um ponto e vírgula?
Você, que (já sei, já sei) é inocente, dirá que nunca escreveu ou disse algo que possa incriminá-lo. Acredito. Mas pegue as suas mensagens privadas e as torne públicas. Suas observações sobre os colegas de trabalho, sobre o chefe, sobre a sua mulher, sobre o vizinho. Suas piadas. Suas gracinhas. Pegue tudo isso e abra para o mundo. Muitas de suas opiniões, que, às vezes, nem são opiniões de verdade, são manifestações da hora, muitas delas o deixarão constrangido. Outras podem prejudicá-lo seriamente.
É esse o mundo no qual estamos vivendo agora. Você funda um site e contrata um hacker. Levanta mensagens e áudios do presidente, do governador, do prefeito, de empresários, de artistas, de jogadores de futebol, de quem você bem entender, e os publica. É sucesso garantido. Seu alvo não precisa ser da política, não precisa ser nem famoso ou mesmo conhecido. Basta saber o cargo que a pessoa ocupa. “Ouçam o que pensa um repórter da Rede Globo!”, grita uma chamada. Você nunca ouviu falar no repórter, mas a Rede Globo está comprometida. E o repórter, demitido.
Não faça brincadeiras. Não tente ser espirituoso. Não fale mal de ninguém. Seja anódino, neutro, um nada
Não estou exagerando. Essa arma começou a ser usada há pouco. Não duvido, inclusive, de que quem com ela feriu com ela será ferido. Estou vendo os exércitos em movimento, e não é algo bonito de se contemplar.
O tempo da privacidade acabou. Há câmeras e microfones por toda parte. Você, inclusive, os carrega por onde vai, nessa pequena caixa de Pandora que é o seu celular. Estamos todos grampeados. Não faça brincadeiras. Não tente ser espirituoso. Não fale mal de ninguém. Seja anódino, neutro, um nada. Porque tudo o que você disse poderá ser usado contra você.