Estava em um templo da arquitetura pós-tudo, quando vi, pela internet, o desabamento da torre central da Notre-Dame. Eu, um brasileiro, em Nova York, assistindo às cenas da tragédia de Paris.
Minha cabeça começou a rodar, tive uma espécie de epifania e corri de volta para o hotel para escrever.
Explico.
Eu me encontrava no mais novo e surpreendente empreendimento de Nova York, essa cidade repleta de empreendimentos novos e surpreendentes. No caso, o Hudson Yards, um conjunto de prédios residenciais, escritórios, shoppings e restaurantes que custou mais de US$ 25 bilhões.
Os prédios foram desenhados por alguns dos arquitetos mais famosos do mundo. São surpreendentes, para dizer o mínimo. No meio do complexo, há uma escultura gigantesca, de 45 metros de altura, se é que se pode chamar aquele edifício de escultura. Você nunca viu nada igual: são escadarias de bronze que se interligam, levando quem as escala até o céu, de onde se veem o rio e a cidade imensos.
No térreo de um desses edifícios fica o Little Spain, e era lá que eu estava, quando vi o vídeo da torre da Notre-Dame caindo. O Little Spain é um conjunto de restaurantes, bares e lojas que oferecem os melhores produtos da gastronomia espanhola. Igual ao Eataly, só que da Espanha. Eu almoçava, nesse momento, uma paella valenciana regada a sangria. Então, fui impactado pelo incêndio da catedral. E me veio, de pronto, a imagem do incêndio do Museu Nacional, ocorrido sete meses atrás, no Rio de Janeiro.
Tudo ganhou lógica. Porque, naquele instante, como que se reuniam três das mais belas cidades do mundo, se não forem as mais belas — Rio, Paris e Nova York. De um lado, Rio e Paris; do outro, Nova York.
O Rio que, nos anos 1970, era de Tom Jobim e Vinicius, que era a cidade do maior templo do futebol, que era das mulheres mais lindas e dos homens mais bem-humorados, transformado, hoje, no Rio das milícias, do tráfico de drogas, das inundações e de políticos repulsivos (antigos e atuais). E Paris, que era a cidade mais romântica do mundo, a cidade de Sartre, Simone e Camus, a cidade de Balzac e dos dois Dumas, a cidade de onde sorri a Mona Lisa, agora transformada na cidade dos carros incendiados, da radicalização dos coletes amarelos e da inconformidade dos imigrantes muçulmanos. Enquanto isso, na Nova York que um dia foi a sede dos chamados barões ladrões, os bilionários bandidos que passavam por cima de qualquer escrúpulo por dinheiro, a cidade que foi a capital da violência urbana mundial, onde Madonna disse ter sido violentada em seus tempos de artista principiante, onde andar de metrô era uma aventura perigosa, essa cidade que nos anos 1970 era o símbolo da decadência hoje é, em alguns pontos, como o Hudson Yards, um parque de diversões do dinheiro e da abundância, e em outros, como o SoHo, o hábitat natural do que há de mais politicamente correto e alternativo no planeta.
Nova York se humanizou, tornou-se aberta, feminina e inclusiva, enquanto Rio e Paris se brutalizaram e aos poucos ficam mais casmurras e mais reacionárias. Os incêndios do Museu Nacional e da Notre-Dame não ocorreram por acaso. São consequências do abandono e do descuido. Que essas chamas e que essa dor não sejam em vão. Que Rio e Paris, essas joias da humanidade, voltem a ser o que foram. Que a ignorância seja vencida pela compaixão.