Sei de cor o cardápio do almoço: iscas de frango, chuchu ao molho branco, arroz, feijão, salada de tomate e banana de sobremesa. Foi o que aquela escola pública de Alvorada, a das “três conchadas”, serviu às crianças na segunda-feira passada. Se você não sabe o que é o “caso das três conchadas”, explico: é um áudio que um aluno dessa escola passou para um amigo que não foi à aula naquele dia. O menino disse que o outro “rateou ao faltar à aula” porque a comida estava deliciosa. E descreveu com fremente entusiasmo o cardápio que citei acima, reforçando que se fartou com “três conchadas” de galinha.
O áudio é lindo, porque expõe a malícia inocente dos meninos nessa fase da vida, a pré-adolescência. Na forma, ele é o malandro, ele caçoa do amigo falando com o balanço do funkeiro carioca. No conteúdo, transparece a pureza de seu encanto com a boa comida que experimentou no almoço da escola.
Nós o entrevistamos, no Timeline, da Gaúcha. Ele exaltou a cozinha da escola e contou que um dos pratos é nada mais nada menos do que “o famoso cubo suíno”. Fiquei com vontade de comer o famoso cubo suíno.
Essa é uma escola pública de Alvorada. Uma escola pobre, certamente. Meu filho estuda em uma escola rica dos Estados Unidos. Para você ter ideia, a escola fez uma reforma, tempos atrás. Praticamente uma reconstrução do prédio, as obras duraram dois anos. Custaram US$ 98 milhões. Eu disse: noventa e oito milhões de dólares, o equivalente a 400 milhões de reais. Pois sabe o que foi servido de almoço para os alunos dessa escola no mesmo dia das três conchadas de Alvorada? Pizza.
Por que tamanha indigência?
Por causa da cultura. Os americanos não almoçam, eles se livram da fome no meio do dia engolindo lanches rápidos, muitas vezes sem parar de trabalhar, em frente ao computador ou até durante reuniões. Bárbaros.
Não quero que meu filho se acostume a essa cultura alimentícia pouco saudável dos Estados Unidos. Então, o que fazemos, eu e a Marcinha? Jantares brasileiros, é o que fazemos. Na hora do jantar, ele bem pode provar refeições parecidas com aquelas da escola de Alvorada. Até iscas de frango nós já preparamos. Mas ainda não servimos o famoso cubo suíno. Que vontade de jantar um bom cubo suíno.
O que é o gênero fluido, afinal?
Ainda a propósito de cultura: as escolas de Massachusetts são muito atentas aos temas de respeito à diversidade. Em muitas das chamadas high schools, ou escolas de segundo grau, há banheiros para transgêneros. E numa dessas escolas, uma ótima escola, aliás, foi apresentado um questionário aos alunos com diversas perguntas. Uma delas, a seguinte: “Em termos de gênero, como você se define?”. Abaixo vinham as opções, sete ao todo:
Masculino
Feminino
Não binário
Gênero não conformista
Gênero fluido
Não estou certo
Prefiro não responder
Isso no chamado segundo grau. Mas no primeiro também há cuidado em relação a esses assuntos. A professora do meu filho, logo no primeiro dia de aula, colou na parede uma foto em que ela aparece em uma cerimônia com outra moça. A professora explicou à classe:
– Essa é a minha mulher. Esta é a foto do nosso casamento.
É uma professora absolutamente engajada no feminismo e em pautas LGBT. Vive abordando esses assuntos. Hoje, por exemplo, anunciou que vai participar do “Dia do Silêncio”, uma data em protesto pelo que sofre a comunidade gay em todo o mundo.
Ela é professora da quinta série. Meu filho tem 11 anos de idade. Pergunte se algum pai, alguma mãe ou algum avô, pergunte se alguém da comunidade se incomoda com isso, achando que seu filho vai virar gay ou feminista radical ou comunista ou seja lá o que for?
É claro que ninguém irá pensar em algo assim. Todos veem com naturalidade essas manifestações. Cultura. Tudo é uma questão de cultura.