Talvez o livro mais famoso de Freud seja A Interpretação dos Sonhos, texto que, de certa forma, é o fundador da psicanálise. Era um de seus preferidos. Não é o meu. O meu é O Mal-Estar na Civilização. Mas as duas obras têm ligação, porque ambas tratam de nossos desejos inconfessáveis.
Cá estou, prestes a ficar rico. Basta entender os números. Basta fazer a correta interpretação dos sonhos.
Para vivermos em convivência harmônica com outras pessoas (ou seja: na civilização), precisamos reprimir certos desejos. Por exemplo: bolsonaristas e petistas queriam matar-se mutuamente. Não fazem isso, porque são civilizados. Você argumentará: “Mas eles não são civilizados!”. E eu concordarei: não são, só que existem mecanismos, na civilização, que servem, exatamente, para conter tais desejos que, se realizados, nos levariam à barbárie. Um desses mecanismos é a lei, que pune materialmente quem infringe os códigos civilizatórios. Outro é a moral, que pune o infrator com o desprezo da sociedade em que vive.
Ocorre que a repressão desses desejos faz com que nos sintamos mal, e em geral nem percebemos que essas coisas se relacionam. Donde, o mal-estar na civilização.
Uma das maneiras de aliviar tamanha tensão, segundo Freud, é sonhar. No sonho, você realiza o seu desejo proibido. O problema que ele é tão, mas tão proibido, que aparece disfarçado. O sonho é cheio de símbolos culturais e pessoais – um poste pode não ser um poste, pode ser um pênis gigante; duas bolas de futebol podem não ser duas bolas de futebol, podem ser seios imensos e túrgidos.
Segundo Freud, portanto, sonhos não são premonitórios. Sendo assim, como se explicariam sonhos como o de Calpúrnia, terceira mulher de Júlio César, que, na noite anterior ao assassinato do marido, sonhou com isso? Calpúrnia ficou tão impressionada com o sonho que rogou a César para que ele não fosse ao Senado naquele dia. Mas ele deu de ombros:
– Mulheres… – e se foi, a caminho da morte.
Será que sonhos têm a faculdade de nos avisar a respeito do nosso futuro? Contei ontem que meu amigo Salézio ganhou duas vezes na loteria por causa de sonhos com números. Pois dias atrás acometeu-me um sonho desses: tinha a idade do meu filho, 11 anos, e estava andando de bicicleta pela zona norte de Porto Alegre. Parei na frente da antiga casa do meu avô, que ficava na Rua Dona Margarida, 355. Havia uma árvore na calçada e fiquei perto dela, até que meu avô apareceu. Vê-lo me emocionou, mesmo em sonho, e comecei a chorar. Então, ele se aproximou de mim e disse:
– David: a coroa dourada é…
E citou quatro números. Acordei espantado com aquele sonho e o contei para meus colegas do Timeline. Falei também os números que meu avô indicara, e os revelarei agora. Só que o estado de alerta me confundiu um pouco. Não lembro se ele disse 31, 32, 34 e 36 ou 31, 33, 35 e 37 ou ainda 30, 33, 34 e 36. Sei que foi na dezena do 30. Para jogar na loteria, teria de juntar, suponho, o número da casa em que ele morava: 355. Mas seriam 3 e 5 ou 3 e 55? Ou 35 e 5? E a minha idade no sonho, 11, deve entrar na aposta?
Cá estou, prestes a ficar rico. Basta entender os números. Basta fazer a correta interpretação dos sonhos. Você, esperto leitor, você que entende tudo de psicanálise e matemática, você pode me ajudar? Pago uma boa comissão, se o bilhete for sorteado.