Um dia talvez o Brasil tenha um governo que não seja contra ninguém. O governo anterior era contra “as elites”, o atual é contra “os comunistas”. E ambos são contra “a mídia”. Contra, contra, contra. O que eles querem é lutar, é se opor, é destruir. Péssimo. Porque fica difícil construir algo quando o seu projeto é de destruição.
Essa é uma característica do populismo. É preciso haver um inimigo interno. Se não houver, do que o governo protegerá a população? É assim que o populista se justifica: ele é o salvador, ele é o líder iluminado, ele é o homem que tem a coragem de enfrentar os malvados que querem dominar a nação e submeter o povo.
A verdade é uma só: petistas e bolsonaristas, pobres e ricos, somos todos brasileiros, e o bom governo não deve excluir ninguém.
O populista sempre tem um teórico para lhe dar aparente sustentação intelectual. No governo do PT, era Marilena Chauí. No de Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Eles estão em polos opostos, mas são parecidos. Marilena é mais elegante e mais preparada do que Olavo, mas os dois se valem de idêntico alarmismo, de idêntico conspiracionismo.
Marilena chegou a dizer que Moro foi treinado pelo FBI para acabar com a Petrobras e entregar o petróleo brasileiro às “Sete Irmãs”, como eram chamadas, nos anos 1960, as grandes empresas petrolíferas do mundo. Sério. Ela disse isso.
Marilena também se eternizou ao entoar, durante uma palestra da qual participava Lula, o brado retumbante que pautaria o partido depois da eleição de Dilma:
Quer dizer: a classe média era a inimiga. Como pode um governo se colocar contra a classe média? O objetivo de qualquer governo tem de ser aumentar e fortalecer a classe média. Afinal, quanto maior a classe média, mais justo é o país.
Olavo de Carvalho também odeia, como odeia. Ele cria apelidos para os desafetos e denuncia as urdiduras comunistas mais solertes. Nenhum dia termina sem que ele ofenda alguém e fale em ânus – ele adora falar em ânus. Olavo tem discípulos fiéis e alguns deles estão no governo. Um era o antigo e exótico ministro da Educação. Outro é o novo e exótico ministro da Educação. Este, Abraham Weintraub, enxerga comunistas até atrás da cortina do banheiro. Disse ele em uma palestra agora famosa:
– Os comunistas são o topo das organizações financeiras; eles são os donos dos jornais; eles são os donos das grandes empresas; eles são os donos dos monopólios.
Em outras palavras: os principais capitalistas brasileiros são comunistas. Tipo assim, os banqueiros do Bradesco e do Itaú. É o Brasil vivendo no macarthismo 60 anos depois da morte de McCarthy.
Os bolsonaristas justificam o medo do socialismo apontando para a abrangência e a penetração do PT em todos os estamentos da sociedade. De fato, o PT tinha um bem amanhado projeto de poder, concatenado com políticos amigos de outras partes do planeta. Mas projeto de poder todos os partidos têm. E o principal: é claro que o PT gostaria de se eternizar no governo, mas o partido nunca se inclinou para “transformar o Brasil em uma ditadura comunista feito a Venezuela”, como alegam os bolsonaristas. Ao contrário: o PT, ainda que tenha atacado as instituições, submeteu-se a elas mesmo em seus reveses, como no impeachment, na prisão de Lula e nas eleições.
A verdade que resta é uma só: petistas e bolsonaristas, comunistas e liberais, pequenos e grandes burgueses, pobres e ricos, negros e brancos, feios e bonitos, somos todos brasileiros, e o bom governo não deve excluir ninguém.
O governo Bolsonaro tem pouco mais de cem dias, está só começando. Pode mudar de tom. Pode parar de procurar inimigos. Pode parar de ser do contra. Pode, por fim, governar a favor.