Lula elegeu Bolsonaro. Ao manter aceso o fogo da sua candidatura a presidente até o último momento, mesmo que desde o primeiro momento soubesse que não iria concorrer, Lula alimentou o antipetismo como se fosse seu gato de estimação. Cada pesquisa favorável ao PT, cada manifestação de artista nas emissoras de TV, cada tuíte de Gleisi e Lindberg, cada texto de sociólogo no Facebook serviu de ração a esse gatinho, que, de tanto se cevar, virou tigre.
A negação feroz de seus erros, o discurso do golpe, os gritos de Lula livre, essa estratégia manteve o PT pulsante no peito dos seus militantes e foi ela que jogou para o outro lado parte da sociedade brasileira. Foi essa espécie de ameaça constante, repetitiva, incessante praticada por grande parte da intelectualidade brasileira que fez a oposição radical borbulhar como azeite fervente. A Terceira Lei de Newton, de ação e reação, se cumpriu: a resposta ao sectarismo do PT foi igualmente sectária, ou até mais.
O antipetismo só existirá se existir petismo. Logo, foi o petismo que criou uma ultradireita apaixonada, pouco racional, às vezes alucinada. Os métodos são os mesmos. Os comportamentos, idênticos. Bolsonaro é o “mito”, tanto quanto Lula era “o maior líder popular que este país já teve”. O filósofo esbravejante do PT era Marilena Chauí; o do bolsonarismo é Olavo de Carvalho. Ambas as facções se acham perseguidas pela imprensa. Ambas elegeram a Globo como vilã. O bolsonarismo usa as redes sociais como o petismo usava os seus blogueiros.
Os dois necessitam desesperadamente de inimigos para sobreviver. O inimigo do PT é a elite. O inimigo do bolsonarismo é o PT. A “elite pérfida”, como uma vez definiu Lula, justificava o PT, como o PT justifica o bolsonarismo.
O problema é que, agora, o inimigo do bolsonarismo está tonto. Com o PT perplexo e cambaleante, sem saber bem como reagir, os bolsonaristas estão procurando razões para se manter em luta. E é nesse afã que coisas bem ruins podem acabar acontecendo com o Brasil.
Há causas humanitárias que vêm se tornando alvos do bolsonarismo como se fossem bandeiras do PT. A igualdade de gêneros, o combate ao racismo e à homofobia, os direitos humanos, a proteção da Amazônia, a valorização da fiscalização ambiental, o apoio à cultura, tudo isso é importante e nada disso é de direita ou de esquerda. Nada disso é ideológico. O antipetismo venceu as eleições, sim, mas pelos erros do PT, não por seus acertos. Entender que causas humanitárias são um bem em si não é ser a favor da esquerda. É ser a favor da humanidade.