Decidimos ir a Nova York no fim de semana, apesar de haver Gre-Nal a 8,3 mil quilômetros de distância, em Porto Alegre. Tudo bem, eu levaria meu laptop e assistiria via internet, do quarto do hotel. Os milagres da tecnologia! Tempos atrás, só conseguíamos ver os jogos se fôssemos ao estádio.
Fora do Brasil, ninguém tinha a menor ideia do que acontecia na TV brasileira. Houve um gaiato que lucrou muito com isso. Ele fazia o seguinte: alguém, no Brasil, gravava parte da programação da Globo durante a semana e pilotos ou comissários de bordo amigos traziam as fitas para Boston. Ele, então, alugava as fitas a bom preço para os brasileiros das cercanias, que as disputavam como se fossem chopes cremosos e gelados num fim de tarde quente do verão da Praia Brava.
Naqueles tempos remotos, muitos cometiam desatinos na ânsia de receber notícias da pátria amada. Fernando Bueno, também conhecido como irmão do Peninha, talvez seja o campeão deste quesito. O Fernando Bueno é um gremista estilo Estado Islâmico. Ele chama o Peninha de "gremista Nutella", com razão: o Peninha é um diplomata, perto dele.
Ocorre que, em junho de 1983, o Fernando, que é fotógrafo profissional, foi contratado para fazer um trabalho em Bristol, na Inglaterra, justamente no dia em que o Grêmio decidiria a Libertadores. Ele não queria ir, mas já tinha assumido o compromisso e a remuneração era ótima. Como fazer para ver o jogo? Impossível. Então, pelo menos, tentaria ouvir. Ligou para sua mãe, pediu que colocasse o rádio ligado no bocal do telefone e ficou ouvindo a partida inteira. Detalhe: pagou a ligação!
Mas a saga não termina aí. No fim do jogo, o Fernando, emocionado com a conquista do Grêmio, saiu correndo do quarto, aos berros. Na rua, um policial se assustou com a cena e o levou para a delegacia, para "prestar esclarecimentos". Ele só voltou para o hotel na última esquina da madrugada, e aí descobriu que não desligara o telefone. Teve de usar todo o cachê para pagar a conta.
Mas, agora, não. Agora, nós temos a internet. Agora, o mundo está conectado. Aldeia global, aquela coisa. Certo. Vá dizer isso para o meu laptop. Ele simplesmente se recusava a me mostrar o jogo. A saída foi sintonizar na Gaúcha, e foi aí que entendi o que deve ter sofrido o Fernando Bueno. Porque o meu filho estava ouvindo o jogo ao meu lado, e ele ficou tão nervoso, tão aflito, tão agitado com a narração do Pedro Ernesto, que pensei que faria o que fez o Fernando: sairia correndo do quarto, aos berros, levantando polvadeira, espantando americano.
Uma transmissão de jogo por rádio é um filme de suspense, o narrador nos prega um susto por minuto.
Depois, com o jogo em andamento, tive sucesso com a maldita conexão. Assisti a todo o segundo tempo, sei que o jogo melhorou, mas não em força dramática. Sem a urgência da voz do Pedro Ernesto, meu filho se acalmou e assistimos ao jogo como quem assiste a uma peça de teatro: com civilizada parcimônia. Mais sensato, mas bem menos colorido. Uma transmissão de jogo por rádio é uma sinfonia – cada instrumento com a sua função, entrando na hora exata, na medida precisa, em nome de uma harmonia maior. Uma transmissão de jogo por rádio é um filme de suspense, o narrador nos prega um susto por minuto. O futebol brasileiro deve muito ao rádio. O futebol brasileiro é o que é também graças ao rádio. Essa pequena máquina de produzir emoção.
Os destaques do clássico
O jogo foi tão igual, que os destaques se espelharam.
Os dois goleiros, Paulo Victor e Lomba, salvaram seus times como um dia fizeram Danrlei e Manga.
Os dois atacantes mais agudos, Everton e Nico López, causaram sofrimento constante aos seus marcadores, como um dia fizeram Paulo Nunes e Fabiano.
E os dois jogadores veteranos, de futebol clássico, Maicon e D'Alessandro, deram ritmo ao meio-campo, até que cansaram, como um dia aconteceu com Valdo e Ruben Paz.