Tinha um velhinho que jogava bola conosco lá no Alim Pedro. Como é que se chamava? Queria escrever sobre ele e não lembrava o nome, então acionei o grupo de WhatsApp dos meus amigos de infância. O Fernando especulou: “Não era um que não tinha um braço?”.
Não era. Aquele que não tinha um braço nem jogava bola com a gente. Ele era mais velho e usava um braço postiço. De plástico, acho. Aquele braço fake ficava pendurado ao longo do corpo, dava para ver uma mão cor de caramelo saindo da manga do casaco. Não tinha função nenhuma, só estética. Quando ele estava por perto, era impossível não olhar para o braço. Eu ficava constrangido, disfarçava, olhava para outro lado, mas, quando ele se distraía, espiava o braço falso.
Diziam que a amputação ocorreu em um acidente: ele gostava de dirigir com o braço para fora da janela do carro, veio um caminhão no sentido oposto e, PAM!, levou o braço embora. Horrível.
“Não era um que era corcunda?”, perguntou o Plisnou.
Também não. Esse corcunda, de fato, jogava conosco, mas ele não era velho. Jogava de pés descalços. Aliás, ele estava sempre de pés descalços, em qualquer situação. No inverno, quando muito, calçava chinelos. É que seus pés eram grandes demais para caber dentro de qualquer calçado. Nem tão grandes de comprimento, mas de espessura. Uns pés quadrados como caixas de sapato, com unhas compridas e afiadas apontando para o horizonte, como se fossem aríetes. O corcunda usava aquelas unhas como arma, passava nas canelas dos adversários e lhes tirava bifes. Corria a lenda de que havia furado uma bola de couro número 5 com um unhaço, mas isso deve ser mentira.
“Se chamava França!”, sentenciou o Amilton Cavalo, mas não, é evidente que não era o França. Como o Amilton pôde se esquecer do França? O França era craque. Por Deus. Se quisesse, pegava a 10 do time do Grêmio, do Inter. O jogo dele era macio. Dominava a bola e saía flutuando com ela atarraxada no pé, e girava para um lado, para o outro, e descobria uma fresta na defesa e por ali se enfiava para fazer o gol. Como é que conseguia?
Podia ter sido profissional, o França. Que nem o Negão. Era assim que nós chamávamos o Negão: Negão. Ele também estava sempre de pés descalços, como o corcunda. Um dia, o Negão deu o balãozinho mais lindo da história do futebol de todos os tempos, Amém. A vítima foi o Amilton Cavalo, que queria se exibir para as gurias. Elas estavam assistindo ao jogo, por algum motivo. Pois a bola quicou entre o Cavalo e o Negão e o Cavalo foi que foi relinchando e testavilhando, certo de que ia ganhar o lance, só que o Negão deu um pataço na bola com a sola daquele pé descalço e a bola subiu e foi encobrindo o Cavalo e encobrindo e encobrindo e o Cavalo se esticou todo para não ser humilhado, ãff!, mas não adiantou: ela penteou as crinas pretas do Cavalo e o Negão aparou do outro lado e saiu feliz rumo ao ataque. As gurias riram. Nós rimos. O Cavalo, não.
Aquele velhinho estava nesse jogo. Ainda não lembro do nome dele. Vou contar o que quero contar assim mesmo. Na próxima coluna.