Havia um ambiente nos prédios do IAPI que eu achava o máximo: o galinheiro. Sério. Sei que isso é impensável hoje em dia, mas, quando o engenheiro Edmundo Gardolinski projetou os apartamentos do mais belo bairro de Porto Alegre, destinou uma área nobre para as galinhas, seus pintinhos e o velho e bom galo.
Criávamos galinhas em nossas casas. Hoje temos carros. Diga-me você: terá sido uma evolução?
É que, naquela época, o galinheiro era muito útil para as famílias. A minha avó tinha um na casa dela, nos Navegantes. Os ovos com os quais ela preparava todo tipo de pratos, inclusive algo que não se faz mais, gemada, eram retirados diretamente de baixo das galinhas. Os ovos vinham para a cozinha quentes do calor materno. E, aos domingos, uma das galinhas era escolhida para ser executada, depenada, desmembrada, cozida e servida com arroz.
Uma vez, tive a péssima ideia de contar que a minha avó, durante certo tempo, desenvolveu uma rivalidade com a vizinha da casa ao lado, que, se bem me lembro, chamava-se dona Matilde. Os quintais das duas eram separados por uma cerca de madeira. Volta e meia, uma galinha da vizinha se espremia entre as tábuas da cerca e passava para o lado da minha avó. Que não hesitava. No afã de punir a vizinha por supostas maldades que cometera, minha avó capturava a galinha e, antes que ela pudesse dizer um único có, torcia-lhe o pescoço com destreza assassina. Era essa a galinha que ia para a panela no domingo. Um dia, a vizinha meio que desconfiou e, ao pé da cerca, comentou com a minha avó:
– Sabe que as minhas galinhas andam desaparecendo?...
A minha avó, cínica:
– A gente tem que cuidar das nossas galinhas…
Digo que foi uma infelicidade ter narrado essa história no jornal porque, depois que o fiz, fui atormentado por inúmeros leitores moralistas, que acusaram minha avó de bruta corrupção. “Quem perdoa o roubo de uma galinha perdoa o roubo de um bilhão de dólares”, rosnavam, insensíveis aos meus argumentos de defesa de minha pobre avozinha, que não era ladra, era apenas serelepe. Sorte que o Moro ainda não havia aparecido quando escrevi aquela crônica.
Mas, como dizia, os prédios do IAPI tinham galinheiros. E, o que é ainda mais fascinante, não tinham garagens. Naquele tempo, famílias de industriários não possuíam automóvel, reservar espaço para garagem em um edifício de apartamentos seria um desperdício.
Mais tarde, os galinheiros foram transformados, exatamente, em garagens. Isso diz muito do mundo. Do que o mundo era e do que o mundo é. Criávamos galinhas em nossas casas. Víamos quando elas estavam chocando os ovos, víamos os pintinhos nascendo, os galos cantavam no nosso quintal. E hoje temos carros. Diga-me você: terá sido uma evolução?