Meu avô, o velho sapateiro Walter, sempre dizia, quando escorriam os primeiros dias do ano:
– Não te ilude, David. A primeira semana de um ano novo não é diferente da última de um ano velho. Não é o dia que nos muda, nós é que mudamos o dia.
De verão a verão, o ciclo do ano é uma obviedade. Como é o ciclo do dia, de sol a sol.
Meu avô era sábio, mas, nisso, concordava com ele apenas em parte. Foram os homens que colocaram o nome do dia de dia e o nome do ano de ano, mas ambos, dia e ano, são mais do que convenções humanas: são manifestações da natureza.
O dia se completa quando a Terra dá uma volta inteira em torno de si mesma, o ano se completa quando a Terra dá uma volta inteira em torno do sol. Oficialmente, sabemos desses movimentos desde Copérnico, há quase 500 anos, mas, na prática, os conhecíamos desde sempre.
Qualquer neandertal bruto podia observar que não há grandes variações no desenvolvimento do dia ou do ano. Em um lugar de clima clássico, como o nordeste dos Estados Unidos, os dias mais frios são cerca de 90 e os mais quentes outros 90. Entre eles, há mais ou menos 90 em que tudo floresce e se reanima e mais ou menos 90 em que as árvores perdem as folhas e se preparam para um novo frio que aí vem.
De verão a verão, o ciclo do ano é uma obviedade. Como é o ciclo do dia, de sol a sol.
Já disse que aqui, na Nova Inglaterra, as estações parecem seguir um roteiro ortodoxo. No verão, Boston é uma cidade brasileira: é verde das copas bojudas das árvores e amarela do sol. Então, chega a maturidade do outono e as folhas primeiro se pintam de vermelho, roxo, laranja e lilás e depois são sopradas pelo vento e montam tapetes coloridos no chão das ruas. É o que eles chamam de “foliage”, e é lindo. Quando tudo enfim fica cinza, é hora do duro inverno que ruge, e a cidade se torna branca de neve. Passadas muitas semanas de dias curtos e gelados, a primavera fresteia. Os bostonianos repetem um lema: “The april showers bring the may flowers”. Ou, em português e sem rima: as chuvas de abril trazem as flores de maio. E, de fato, as flores desabrocham em toda parte e o clima se faz ameno e toda gente sorri.
Como não compreender que há nessa rotina um ciclo fechado e que o ciclo, depois de se fechar, reabre novamente, sempre e sempre? Não é uma metáfora do renascimento; é o renascimento na prática.
Lavoisier disse que, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. E é assim que é. Uma morte não é uma morte, é uma mudança de condição. Eu e você estamos mudando todos os dias, o dia inteiro, sem parar, envelhecendo, decerto, mas talvez também melhorando.
Heráclito ensinou que um homem nunca entra duas vezes no mesmo rio, porque, quando entrar novamente, ele e o rio serão outros. É assim que é. Pois tudo flui, meu amigo, a vida flui como a água do rio de Heráclito: corre para o mar, evapora com o calor, eleva-se às nuvens, cai outra vez no rio e, levada pelo rio, alimenta o mar.
Meu avô estava errado quando dizia que o ano novo é só um símbolo. É mais do que isso: é um ciclo que recomeça. É mais uma chance que temos. Exatamente por essa razão, ele estava certo quanto a nós e o que devemos fazer. Porque não é o dia que nos muda: nós é que mudamos o dia.