Ninguém precisava tirar carteira de motorista em meados do século 19, e todo mundo podia dirigir bêbado. Óbvio: o automóvel ainda não tinha sido inventado, as pessoas usavam cavalos para se locomover. Assim, as ruas ficavam empesteadas de cocô de cavalo, o que atarantava os legisladores: eles discutiam a criação de leis para resolver aquele problema malcheiroso.
Hoje, como se sabe, os carros é que são o problema. Só no Brasil, 60 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito por ano, em média. Mas há todo um corpo de leis, inclusive internacionais, que regulam a posse e a circulação dos automóveis, há técnicos no assunto, há estudos fartos a respeito. Já quanto ao cocô do cavalo, ninguém mais se importa com isso, porque há poucos cavalos galopando pelas cidades.
É assim que tem de ser: as leis são escritas de acordo com as necessidades da sociedade. Nenhum legislador inventa uma lei se não existe demanda por ela. Ninguém trata de uma dor antes que ela se manifeste. Então, primeiro surge a imperfeição. Depois, a lei tenta consertá-la. Novas leis, em geral, tentam regular novidades.
Hoje, no século 21, a grande novidade é a internet. O mundo virtual. E, como tudo o que é novidade, ela apareceu imperfeita, carente de conserto, esperando por regulação.
Agora, remeto ao caso do advogado que, nesta semana, constrangeu o ministro Lewandowski, do STF, em um avião. Nós entrevistamos o advogado no Timeline. Perguntei por que ele havia gravado o incidente com seu celular. Ele respondeu que anteriormente havia observado o comportamento do ministro. Por isso, esperava por uma reação agressiva. Foi o que se deu: ao ouvir que "o STF é uma vergonha", o ministro pediu que o advogado fosse detido.
Essa atitude algo destemperada do ministro foi a glória do advogado. Ele postou a cena nas redes e se tornou sucesso, tanto que o entrevistamos na Rádio Gaúcha. Era o que ele queria. É o que querem todos esses personagens desconhecidos que provocam pessoas públicas em voos, como no caso do ministro, em restaurantes, como aconteceu com Chico Buarque, e até em cemitérios e hospitais, como ocorreu com Guido Mantega.
É uma covardia. De um lado, atrás do celular, há uma pessoa desconhecida, que não tem nada a perder. Do outro, um homem público que será exposto negativamente caso reaja ou não. Não há saída para o homem público. Não há o que ele possa fazer. Ele perdeu. Perderá sempre.
Se eu tentar constranger o tal advogado que atacou Lewandowski e publicar a cena nas redes, ninguém tomará conhecimento, ninguém vai parar para ver, ninguém curtirá. Porque o advogado é, exatamente, um ninguém. Não faço essa definição de forma pejorativa. Esse "ninguém" significa que o advogado é um anônimo. As pessoas não se interessarão por ele. Por Lewandowski, sim.
Que direito tem uma pessoa, qualquer pessoa, de constranger outra na rua com o objetivo expresso de aviltá-la nas redes sociais?
O advogado disse para o ministro que o STF é uma vergonha. Vergonha foi o que ele fez. Vergonha e falta de educação. Protegido por sua própria insignificância, ele usou o fato de o ministro ser uma pessoa pública para constrangê-lo e expô-lo.
Dezenas de pessoas públicas já foram atacadas desta maneira em todo o Brasil nos últimos tempos. Desta vez, foi Lewandowski, por um simpatizante de Bolsonaro. Poderia ser Moro por um simpatizante do PT. Quem decide quem merece ou não ser espezinhado publicamente? Os bolsonaristas? Os petistas? Você? Eu? A quem tenho direito de ofender? A quem posso incomodar? O fato de o ministro ser uma autoridade dá ao homem do povo a prerrogativa de importuná-lo? Com base em que julgamento?
A internet é como o automóvel: em sua essência, é uma coisa boa, mas pode ser usada como uma arma. É preciso haver leis que punam quem puxar o gatilho.