Se tem uma coisa que me deixou chateado, nesta semana, foi não ter sido aluno do Nossa Senhora do Cenáculo. Achavam que tinha sido, e me convidaram para participar do jubileu de 65 anos do colégio, que será comemorado no sábado. Contaram que até já me homenagearam por lá e que, no ano passado, minha foto apareceu no telão durante a exposição do trabalho de aula de um aluno da nona série.
Fiquei arrasado. Quando finalmente recebo uma homenagem, não a mereço.
Não podia ter desperdiçado essa oportunidade rara.
Agora que sabem que não sou ex-aluno do Nossa Senhora do Cenáculo, certamente serei execrado e nunca mais aparecerei em trabalho algum. "Fake news!", gritarão, apontando-me um indicador acusador. O que posso fazer, senão baixar a cabeça e admitir o embuste? Se bem que há algo em meu favor: foi no Nossa Senhora do Cenáculo que fiz curso de datilografia.
Sim, pode-se dizer que o Nossa Senhora do Cenáculo fez parte da minha formação. Não sou uma fraude completa.
A, esse, dê, efe, gê.
Cê-cedilha, ele, cá, jota, agá.
Esses versos estão gravados para sempre na minha cabeça, graças às freiras do Nossa Senhora do Cenáculo. Mas, especificamente, graças a uma certa freira, que nos dava aula. Faz tempo isso, eu adolescia com vagar, acnes e dor. Não tenho certeza se ela usava hábito, talvez não, mas, na minha memória, a freira surge de hábito negro, rosto magro e enrugado, voz de gralha e sorriso nenhum. Parece-me até que ela ensinava com uma régua na mão. Ou uma batuta, sei lá. Só sei que tinha medo dela.
Injustiça – era uma boa irmã, compreensiva, dedicada. Ela repetia o que todos diziam na época: que só teria sucesso na vida quem aprendesse os mistérios da datilografia. Era preciso alcançar a velocidade de não sei quantos toques por minuto e bater com todos os dedos, até o minguinho. E era verdade: se você fosse procurar emprego, abria os classificados do jornal de domingo e via a exigência: "Exímio datilógrafo".
Então, empenhei-me furiosamente. A, S, D, F, G. Ç, L, K, J, H. E consegui. Graças à querida irmã do Nossa Senhora do Cenáculo, tornei-me um datilógrafo exemplar, que usa até
o minguinho.
Aliás, naquele tempo, a escola não era Nossa Senhora do Cenáculo. Era Edmundo Gardolinski, o engenheiro que construiu o IAPI. Por que mudou de nome? Não imagino. Nem conhecia essa Nossa Senhora. A propósito: por que "Cenáculo"? Cenáculo é o lugar onde as freiras jantavam, não é? Seria algo como "Nossa Senhora do Refeitório"?
De qualquer forma, não importa. O que importa é que o Gardolinski, ou Nossa Senhora, está, sim, inscrito na minha vida. E tem mais: atrás da escola, há uma escadinha de pedra que leva para os altos do morro. Nessa escadinha, a Alice e a Ariadne, duas beldades do bairro, escondiam o maço dos cigarros que fumavam clandestinamente, sem que os pais jamais desconfiassem de tamanha ousadia. Às vezes, elas me levavam junto para testemunhar a infração. Eu me sentava um degrau abaixo do delas e ficava admirando-as, enquanto elas tiravam baforadas.
– Quer, David? – me desafiavam.
Eu, medroso:
– N-não, obrigado.
Elas continuavam fumando, o queixo para cima, o olhar brilhante, superior, enigmático. Adulto. Eu achava tão lindo… Oh, eu queria fumar e ser tão seguro quanto elas, mas e se começasse a tossir e engasgar na frente daquelas duas rainhas? Não, não, melhor posar
de antitabagista saudável.
Ah! Outra: era ao salão do Gardolinski que a Alice ia para as reuniões do grupo de jovens católicos dela, Onda ou CLJ, não lembro, só lembro que eu ia atrás, pretensamente interessado naqueles cânticos de louvor a Cristo, "eu tenho tanto pra te falar, mas com palavras não sei dizer", mas, na verdade, interessado nela, Alice, a morena dona das pernas mais lindas do bairro e do meu coração.
Sim, pode-se dizer que o Nossa Senhora do Cenáculo fez parte da minha formação. Não sou uma fraude completa. Espero que isso seja levado em conta no próximo trabalho da nona série.