Lá estava eu, rodando pela BR-101. Era fevereiro, fazia calor e senti dois centímetros de sono. Pouca coisa, mas, quando você está dirigindo, o sono tem mais poder do que Thanos, o inimigo invencível dos Vingadores. Por isso, antes que ele crescesse e me submetesse, decidi parar a fim de tomar um café restaurador. Para minha sorte, havia um pequeno restaurante bem perto, à altura de Criciúma.
Parei.
Entrei no lugar, que era bem simpático, e logo vi uma pequena estante com livros. Fui ali dar uma olhada e deparei com um volume interessante, A História é Amarela, antologia de 50 das melhores entrevistas da Revista Veja. Abri o livro para examinar a lista dos entrevistados. Gente de alto quilate: Pelé, Elis Regina, Ronald Reagan, Fidel Castro, Bill Gates... Resolvi comprar. Fui ao caixa, mas o dono do café me disse que não estava à venda.
As reportagens, em geral, dizem que a rebelião de maio de 1968 foi importante do ponto de vista libertário, digamos assim, embora não tenha alcançado nenhum objetivo específico. Nelson não pensava assim.
– Deixo aí para os clientes se distraírem – desculpou-se.
Devo ter feito uma cara muito decepcionada, porque nem precisei pedir. Ele se adiantou e propôs:
– Mas te vendo pelo preço que comprei.
Assim, saí de lá com o livro. Foi uma bela aquisição. Vou compartilhar com você alguns trechos de entrevistas. Não todas, é claro, porque são muitas: 50. Nelson Rodrigues, por exemplo, foi entrevistado em 1969 por Luiz Fernando Mercadante. Dentre tantos assuntos intrigantes que eles abordaram, houve um que, por coincidência, está na pauta atual, 49 anos depois. Nelson falou da revolta estudantil ocorrida em Paris em maio do ano anterior, e você sabe que, agora, neste nosso maio, jornais e emissoras de rádio e TV estão apresentando especiais a respeito do cinquentenário daquele movimento. As reportagens, em geral, dizem que a rebelião de maio de 1968 foi importante do ponto de vista libertário, digamos assim, embora não tenha alcançado nenhum objetivo específico. Nelson não pensava assim.
Como se sabe, Nelson, não raro, investia contra o senso comum dos intelectuais brasileiros. Perguntado por Mercadante se ele abominava a juventude, saiu-se desta maneira:
"Não, eu amo a juventude como tal. O que abomino é o jovem idiota, uma das figuras mais sinistras da nossa época. O jovem, como o adulto, como o velho, comporta todos os tipos. (...) O fato de um imbecil ter 17 anos transformou-se em um mérito formidável. O sujeito passou a ser seguido e respeitado não por ter tais ou quais méritos, mas por ter nascido em 1952. (...) É o que aconteceu na França, quando o jovem idiota, durante um mês, humilhou e ofendeu a sua pátria. E o que fizeram na França? Arrancaram paralelepípedos, viraram carros e incendiaram lixo. Uma juventude tão inepta que escrevia nas paredes 'É proibido proibir' e carregava cartazes de Lênin, Mao, Guevara e Fidel, autores das proibições mais brutais. Era a imaturidade erigida em virtude formidabilíssima, era o Poder Jovem, que é o próprio culto à imaturidade".
Nelson não gostava das esquerdas. Se você é de esquerda, provavelmente criticará o que ele disse a respeito de maio de 1968. Mas, se pensar sem paixões, concordará que o fato de alguém ser jovem não lhe confere sabedoria. Havia e há jovens idiotas. Só que os jovens aos quais se referia Nelson, os que nasceram em 1952, hoje têm 66 anos. Muitos deles tornaram-se importantes, muitos deles comandaram e comandam o Brasil. E seguem pensando do mesmo jeito, com as mesmas ideias. Com a mesma idiotia. Nelson observou que eles eram "figuras sinistras" daquela época, a época da sua juventude. Isso porque não viu o que eles fazem agora, na época da sua velhice. Pobre Brasil, entregue a tantos velhos jovens idiotas.