Por Daniel Bydlowski
Artista brasileiro de realidade virtual, doutorando na Universidade da California (EUA)
A popularidade dos serviços de streaming de vídeo trouxe obras de alta qualidade para empresas como a Netflix e a Amazon Prime, especialmente na área de seriados, o que possibilita que o espectador passe mais tempo nesses serviços. A televisão, com ofertas similares, também se beneficia, já que a facilidade de assistir às produções traz uma alta demanda pelas obras cinematográficas. O resultado é a constante procura por conteúdo para agradar ao público. Com essa busca, essas empresas apostam em produções diferenciadas e originais.
O mesmo não pode se dizer sobre o cinema. Aqui, parece que a aversão ao risco e a aposta em fórmulas antigas de sucesso são regras. Assim, estúdios focam nos gêneros da fantasia, da ficção científica e dos super-heróis. Porém, o efeito colateral é que essas poucas variedades começam a se desenvolver por si mesmas, sendo afetadas não somente por outras mais desfavorecidas atualmente (como o drama e a comédia tradicionais), mas também pelo streaming de vídeo e pela televisão. O gênero mais fortemente afetado por esses é o de super-heróis.
Esse tipo de filme tinha uma fórmula básica e certeira: sempre contavam a história de um personagem com superpoderes (ou com apetrechos e talentos incríveis, como Batman) que davam sua vida para salvar a humanidade. Geralmente tendo uma infância difícil, esses personagens são educados por mentores nobres que os ajudam a escolher o caminho do bem de forma natural. Com o sofrimento de seus próprios passados, os personagens também se identificam com os humanos, não pensando duas vezes antes de arriscar tudo o que têm para salvar vidas.
Isso faz com que os super-heróis tradicionais não desenvolvam sua personalidade ao longo do filme, como as figuras de outros gêneros. Por que deveriam? Desde sua infância, entenderam o seu papel de tornar o mundo melhor. Mas, quando o gênero se torna um dos mais populares e repetidos do cinema, este começa a se modificar para agradar a um público impaciente à procura de algo novo.
Enquanto mudanças na personalidade de heróis não eram surpresa nos quadrinhos, a presença menor do herói tradicional nas telonas é um fenômeno atual. Pantera Negra (2018), por exemplo, não mostra um protagonista que tem como primeiro objetivo apenas salvar vidas, mas sim recuperar seu trono frente a traições, e um vilão, Killmonger, que às vezes parece mais cativante do que o herói. A história se parece mais com um drama tradicional do que com um filme de super-herói, influenciado por Hamlet, de Shakespeare. O gênero drama começa então a se fazer presente dentro do de super-heróis.
Mas não é somente Pantera Negra que mostra essa mudança. Histórias nas quais heróis perdem seu caráter mais nobre e lutam uns contra os outros faziam parte de quadrinhos de forma esporádica, especialmente na DC Comics. Porém, nos cinemas, isso é constante. Basta ver o filme Batman vs. Superman (2016) ou Capitão América: Guerra Civil (2016), nos quais não é tão fácil separar o bem e o mal. Até mesmo no primeiro longa da série Liga da Justiça (2017), contando com a presença dos heróis mais tradicionais, a luta entre eles é constante.
E, quando heróis não lutam uns contra os outros, há pelo menos uma tentativa de dar ao vilão um caráter mais humano. O ápice dessa mudança está no novo filme da Marvel, Os Vingadores: Guerra Infinita (2018), no qual a incrível quantidade de heróis impossibilita focar em qualquer um deles. O ponto central da história é o vilão, Thanos, e a destruição que causa. E, aqui, o malvado até mesmo adquire uma característica nobre, porém perversa: ele acredita estar fazendo o bem, mesmo que tenha que destruir o universo para alcançar seu objetivo.
Então há um enfoque no vilão e na sua destruição. Esse aspecto também vem de séries de TV, como Game of Thrones, que acostumou o público a ver seus heróis destruídos, criando um estilo de tensão. Aqui, é como se o seriado inteiro fosse condensado em menos de três horas, sem dar tempo de nos concentrarmos naquilo que antes era a regra: os heróis.