Curiosos questionavam aos adultos impondo ordem no ambiente: por que o burburinho e tanta criança no hall de entrada do cinema? De fato, a empolgação transbordava na forma de risadas e um corre-corre típico de quem saiu da rotina. É que, após uma campanha realizada pela internet, cerca de 210 crianças e adolescentes negros de quatro comunidades de Porto Alegre foram, na tarde desta quarta-feira (27), assistir ao filme Pantera Negra, em 3D, no Praia de Belas Shopping.
O longa da Marvel, sucesso de crítica, vem chamando a atenção em virtude de todos os protagonistas serem negros e pelas referências à cultura africana. No fictício país de Wakanda, uma selva e aparente pobreza escondem um reino com tecnologia futurística. E o primeiro vilão a surgir na trama é branco – duas inversões na fórmula hollywoodiana, considerada preconceituosa por representar negros como criminosos e a África como continente atrasado. Desponta, então, o Pantera Negra, super-herói nobre, protetor e com agilidade, resistência e força descomunais.
A euforia da criançada se manifestava em pequenos detalhes, como a pressa à espera do balde de pipoca e do refrigerante, no empurra-empurra para a selfie ou na corridinha para escolher os assentos. Havia desde crianças pequenas, acompanhadas dos irmãos, até grupos de adolescentes e vizinhos adultos do condomínio Princesa Isabel, da comunidade Combo Rocha, da Cruzeiro e do Quilombo do Areal. Kendrix da Silva, 14 anos, morador do Quilombo da Areal, estava ansioso:
— Espero que seja legal. Quero vir aqui mais vezes — diz.
Para orientar a movimentação, monitores voluntários passavam instruções aos jovens. Muitos ali jamais haviam visto um filme na telona, colocado um óculos 3D ou pouco se recordavam da última vez em que pisaram em um cinema. Atenuar esse cenário foi o objetivo da fisioterapeuta Élida dos Santos, 47 anos, que doou dois ingressos e fez questão de conferir ao vivo a criançada, apesar de não ficar para o filme.
— É a questão do pertencimento, de se ver na tela e de ocupar espaços, não ficar só na periferia. Fui esses dias no Shopping Moinhos de Vento com minha irmã e éramos as únicas negras — observa.
Quem organizou o projeto foi a estudante de Pedagogia na UFRGS Vitória Sant'Anna Silva, 22 anos. Com o dinheiro arrecadado das doações, alugou cinco ônibus e pagou as entradas – pipoca e refri foram cortesia do cinema e do shopping. Duas foram as intenções ao levar as crianças e adolescentes de comunidades pobres para o cinema: instigá-las a se espelhar em heróis negros e levá-las a ocupar o espaço público.
— A gente sabe que o shopping é um espaço que muitos não têm acesso e que o cinema é caro. Quisemos trazer as crianças para cá. E é importante ver um super-herói negro. Quando a criança se vê, ela tem a autoestima elevada, vai ter orgulho de sua cor e de seu cabelo. Esse filme mostra o negro como herói, não como o bandido, o raivoso, a amiga da protagonista — afirma Vitória, pronta para dar continuidade ao projeto.
Como uma típica sessão de cinema da escola, os momentos antes de o filme começar foram precedidos por um burburinho e pelo barulho de pipoca. Felipe Barbosa da Silva, 16 anos, já usava os óculos 3D antes mesmo de os avisos que antecedem os filmes serem exibidos. Queria ver logo o Pantera Negra, a quem prefere no lugar do Super-Homem.
— É importante ver um super-herói negro. Ele representa melhor a nossa cultura — avalia.
Sofia Moreira, sete anos, estava bem empolgada. Ela foi com a tia, a cuidadora Claudia Rejane Guedes, 37 anos. A garota adorou o personagem principal, e a tia aprovou o roteiro.
— Achei o filme muito legal, assim como a iniciativa. Faz falta negros aparecerem desse jeito. Se tivesse mais, seria legal — observa Claudia.
Assim que as luzes se apagaram, assovios. Mas se engana quem pensa que as reações das crianças poderiam ser diferentes na comparação com outros filmes da Marvel. Exclamações eram feitas como em qualquer longa de super-herói: no duelo entre o bonzinho e o malvado, no momento de perigo, na perseguição de carros, no encontro entre os amantes.
Por outro lado, o público pode observar singularidades, como o figurino com detalhes tribais africanos, música associada à região, exaltação de ancestrais e críticas à escravidão e ao sofrimento do povo negro.
Ao fim da exibição, palmas e mais assovios: as crianças e os jovens saem elogiando o roteiro. Vitor Amorim da Rosa, 13 anos, destacou a qualidade do argumento:
— Esse filme tem história, quer passar uma mensagem. Achei muito bom.
Larissa Beatriz Correa, 15 anos, disse que nunca havia visto as vestimentas africanas tribais das personagens:
— É um filme diferente. Na maioria, os super-heróis são brancos. Neste, 95% são negros. Vi a forma como eles pintam o rosto. Achei bem interessante, recomendo.