Entendo a proposta das entrevistas do Jornal Nacional com os candidatos a presidente. Os jornalistas americanos empregam esse método. São duros, incisivos, espremem o entrevistado até que ele vaze. Com uma diferença: os jornalistas americanos sabem entrevistar.
Não que Bonner e Renata, os entrevistadores do JN, não sejam bons jornalistas. São ótimos. Dos melhores que há. Mas a arte da entrevista é complexa, repleta de sutilezas e possibilidades. Nem sempre é fácil de dominar, até por ter várias variantes.
Eu, a entrevista que mais gosto de fazer é a de jornal. Você passa pelo menos algumas horas com o entrevistado, observa-o, conversa com ele. Não é um show, é quase uma sessão de análise. Você contará ao leitor como é o personagem, descreverá o que viu ao seu redor e ilustrará com suas opiniões.
Outro tipo de entrevista é aquela de que participo diariamente, no Timeline, da Gaúcha. É um gênero oposto ao do jornal. Você tem 10 ou 15 minutos para conversar com o entrevistado no ar, ao vivo, com o público ouvindo. Ou seja: é um misto de entretenimento com jornalismo. Você não alcançará a profundidade do jornal, você precisa ter sensibilidade para atingir o ponto principal rapidamente, titilar o entrevistado e deixá-lo falar. Às vezes, quando o Potter e a Kelly, meus companheiros de microfone, estão explorando bem a entrevista, nem sequer faço perguntas – está bom como está, não tenho de me imiscuir, só vou atrapalhar. Em outras oportunidades, não entro por saber que, se entrar, vou discutir com o entrevistado e estragar o programa.
Há também o talk-show de sofá, caneca e banda de música, inventado pelos americanos, sublimado por David Letterman. Aí é quase que só entretenimento, o entrevistador tem de ser tão importante quanto o entrevistado, porque os telespectadores assistem ao programa por ele. No Brasil, Jô Soares consagrou essa fórmula. As pessoas reclamavam de que ele não deixava o entrevistado falar – não precisava, talvez nem devesse; o entrevistado era só um coadjuvante.
Na TV ainda existe a fórmula em que o interessante é o entrevistado, muito bem explorada pela Marília Gabriela, que tenta criar empatia com ele, e pelo Roda Viva, que tenta crivá-lo de perguntas à esquerda, à direita, por cima e por baixo, como se estivesse sendo picado por marimbondos. Nesses casos, o entrevistado tem de ser ótimo, ou ninguém assiste ao programa.
A intenção é encurralar o entrevistado, expor suas contradições, esfregar suas fraquezas na cara dele. Para tanto, é necessário ser firme, não agressivo. Bonner e Renata são agressivos.
Finalmente, há essa entrevista especialíssima do JN, meia hora em horário nobre, no mais nobre dos programas de TV, na mais nobre das emissoras, numa nobilíssima eleição presidencial. A intenção é encurralar o entrevistado, expor suas contradições, esfregar suas fraquezas na cara dele. Para tanto, é necessário ser firme, não agressivo. Bonner e Renata são agressivos. Eles parecem odiar o entrevistado e, assim, deixam o espectador nervoso. Dá uma angústia na gente, mesmo que a gente não goste do candidato. É uma situação constrangedora, como a de quem presencia uma briga de casal.
Assisti à entrevista de Haddad na sexta-feira. Ninguém tem mais a explicar do que um candidato do PT, seja ele quem for. Naturalmente: o PT mandou no país por quase 14 anos e nenhuma (NENHUMA!) questão estrutural do país foi de fato resolvida – a educação básica piorou; o SUS, ótimo na proposta, péssimo na execução, continuou ruim; a máquina do Estado foi inchada irresponsavelmente; houve gastos escandalosos na Copa e na Olimpíada; a Previdência, o pacto federativo, o sistema tributário, a segurança pública, tudo e muito mais está necessitando desesperadamente de reformas, e nada foi feito. E, é claro, ainda há a corrupção orgânica, sistêmica, monumental.
De todos esses pontos, só a corrupção foi realmente abordada. Haddad não conseguiu se explicar, é verdade, mas os entrevistadores estavam tão ávidos para acicatá-lo, que deram a impressão de que, na verdade, não se interessavam pelo que ele falava: se interessavam, apenas, em intimidá-lo. Como no caso de Bolsonaro, sobre o qual escrevi antes, não foi uma entrevista. Foi meia hora de trocação de golpes. Meia hora preciosa, melancolicamente desperdiçada.