Devia ser bom ser senador. Hoje, nem tanto. Vivemos tempos iconoclastas, não há mais respeito pelas autoridades, e muito por culpa das próprias autoridades. Mas, naquela época, um senador era homem importante. As mães, com certa reverência, diziam para os filhos na rua:
– Olha. Ali vai um senador.
Nenhum outro Estado da federação teve senadores como o Rio Grande do Sul, a Roma brasileira. O senador Pinheiro Machado, antepassado dos meus amigos Ivan e Zé Antônio, era chamado de "o condestável da República". Hoje, ninguém mais chamaria um senador de condestável, porque ninguém mais sabe que WHATHEHECK@#! é condestável.
Pinheiro Machado, como bom senador que era, só usava roupas de baixo de seda. Procedia assim para que, se a morte o surpreendesse, o encontrasse bem composto. De fato, ele foi assassinado por Manso de Paiva e morreu com elegância e concordância verbal perfeitas, proclamando:
– Ah, canalha! Apunhalaram-me!
Hoje, o que diria um senador Romário?
– Me furaram!
Outros senadores emblemáticos do Estado foram Pedro & Paulo: Pedro Simon e Paulo Brossard.
Paulo Brossard guardava, em sua biblioteca particular, 20 mil livros lidos. Uma vez, escrevi sobre a biografia de João Neves da Fontoura, que, aliás, recomendo. Brossard ligou e disse que estava me enviando o segundo tomo da obra de João Neves. Recebi-o no mesmo dia e no mesmo dia comecei a ler, agradecido pela deferência.
Era um homem elegante. Usava chapéu. Certo dia, foi dar palestra em uma faculdade de Direito e roubaram-lhe o chapéu. Brossard não deu queixa, porque descobriu que o ladrão era um aluno. O rapaz, mais tarde, se tornaria importante. Ele se chama Dias Toffoli.
Há uma história de Brossard da qual gosto muito: ele vinha saindo do Senado e um gaiato o abordou, deu-lhe um tapa na barriga, gritou "Senador!" e perguntou:
– Quais são as novas?
Brossard, sem perder o prumo, ciciou:
– Afora essa nossa intimidade, nenhuma.
Isso é um senador, meu amigo!
Já Pedro Simon fumava cachimbo. Convenhamos, um senador tem de fumar cachimbo.
Assisti a inúmeros discursos de Pedro Simon, quando era repórter de política. Ele tinha uma técnica assombrosa: começava falando quase que sussurrado, delicadamente, e ia aumentando o tom. E aumentando e aumentando, até que se punha aos gritos de indignação, gesticulando muito, levando a plateia à inevitável comoção. Ele podia estar lendo a lista de compras do súper, que ainda assim arrebatava o ouvinte.
Há, no YouTube, a gravação de uma discussão entre Simon e Collor no Senado. Simon está falando da tribuna e Collor pede aparte para contestá-lo, o que faz com fogo e fúria: olhos arregalados, dentes rilhados, parecendo prestes a saltar da cadeira para o tal desforço físico. É uma cena impactante pela reação irada de Collor. A irritação dele vai crescendo à medida que fala. Ele diz a Simon que engula suas palavras e que "as digira como julgar conveniente". O homem está tão brabo, que chega a ofegar. Afirma que Simon "deblatera", por acreditar em certos "hebdomadários", e o chama de "parlapatão". Ou seja: linguagem de senador, apesar da ferocidade.
Mas Collor é de outra linhagem senatorial. O pai dele foi senador pela Arena e, nos anos 1960, durante uma discussão que deve ter sido parecida com esta do filho com Simon, sacou de um revólver no plenário e matou um colega a tiros. Não foi preso, porque naquela época políticos não eram presos.
Mas as coisas estão mudando, senadores...
Você pode avaliar a classe política brasileira a partir dessa fronteira: de um lado, Pedro Simon, que encerrou sua carreira política com a dignidade de um daqueles senadores antigos; do outro, tipos como Renan Calheiros. Desconfie de quem está ao lado de Calheiros.
Agora, o que importa é a razão da raiva de Collor contra Simon: porque ele, Collor, defendia Renan Calheiros e José Sarney. Está posta aí a diferença entre senadores. Você pode avaliar a classe política brasileira a partir dessa fronteira: de um lado, Pedro Simon, que encerrou sua carreira política com a dignidade de um daqueles senadores antigos; do outro, tipos como Renan Calheiros. Desconfie de quem está ao lado de Calheiros.