Às vezes, um erro se consagra. Nesta semana, cometi um que me elevou aos píncaros do contentamento: ao escrever sobre o estado de abandono do Viaduto da Borges, disse que ele se ergue da Rua Fernando Gomes em direção à Rua da Praia e me atrapalhei com os Fernandos: na verdade, o correto é o Machado, não o Gomes.
Parece um equívoco banal, mas não foi o que os leitores pensaram. Nesta quarta-feira (22), quando parei de contar, havia 42 e-mails na minha caixa postal corrigindo-me. Quarenta e dois! Tamanha atenção me deixou enlevado. Muitos me repreenderam com gentileza, alguns com condescendência e pelo menos um com aspereza, começando assim: "Mas tu é uma besta mesmo!".
Posso ser uma besta, há fortes indícios de que seja, mas, no caso, o que houve foi uma confusão com Fernandos pelos quais tenho apreço. O Gomes tem a ver comigo porque era na Fernando Gomes, mais precisamente no saudoso Lilliput do bom Gordo Damiani e do bom magro Atílio Romor, que ia beber chopes cremosos com meus amigos nas noites dos anos 1990 para o começo dos 2000, quando Porto Alegre era tão mais suave. O Machado porque outrora a Fernando Machado era a Rua do Arvoredo, onde ocorreram os crimes nos quais baseio meu romance Canibais. Finalmente, há outro Fernando Gomes de quem gosto muito, um dos melhores repórteres-fotográficos do Brasil, meu amigo e colega de Zero Hora, com quem já partilhei aventuras jornalísticas por esse Rio Grande afora.
Dito isso, farei agora algo em que sou ótimo: vou me perdoar pelo erro. E falarei do acerto, reafirmando: o estado do Viaduto da Borges é uma vergonha para Porto Alegre.
Muitos, muitos outros leitores concordaram e enviaram e-mails reclamando da situação em que se encontra a cidade, tantos que não há espaço para contentá-los em uma única página de jornal.
Quando a cidade deixa que alguns privatizem o espaço público, dá a aparência de que os está ajudando. Não está.
Houve uma leitora, uma assistente social que não identifico por não saber se ela autoriza, que observou o seguinte: "Vejo que timidamente o senhor menciona a questão da pobreza, mas que sua maior preocupação é com o patrimônio da cidade".
Engana-se a leitora, e sua observação é prova do que escrevi: nossa pobreza nos confunde.
Funciona assim: o Viaduto da Borges não é apenas patrimônio público, é também um lugar de convívio da cidade, por sua beleza e localização central. Locais de convívio devem ser preservados e estimulados não só porque tornam a cidade mais humana, mas porque a tornam mais rica. Se houvesse segurança e limpeza, as lojas que se incrustam debaixo do viaduto seriam frequentadas pela população e poderiam até virar atração turística. Fosse assim, aqueles estabelecimentos gerariam empregos e impostos, diminuindo a pobreza.
É a mesma lógica dos camelôs do Centro. Tempos atrás, uma autoridade municipal avisou que ia "quebrar o monopólio" do grande comércio, permitindo o trabalho dos camelôs. Quebrou mesmo. Quebrou o monopólio e as lojas que pagavam impostos, quebrou a circulação de pessoas pelo Centro, quebrou um ciclo de negócios que produzia riqueza e empregos, e ajudou a quebrar a cidade.
Quando a cidade deixa que alguns privatizem o espaço público, dá a aparência de que os está ajudando. Não está. Está apenas sendo paliativa, adiando a solução daquele problema em especial e criando novos problemas em geral.
Nesta quinta-feira (28), no Timeline da Gaúcha, vamos entrevistar o prefeito Nelson Marchezan. Já tenho pronta minha primeira pergunta. Quando a cidade vai se livrar desta vergonha? Vamos ouvir a resposta, a partir das dez da manhã.