Aqui onde estou, Vermont, na fronteira com o Canadá, a temperatura despenca velozmente para 28 graus Celsius abaixo de zero. Está tudo branco, tudo coberto de neve e, se você não dispõe de roupas apropriadas, não resiste cinco minutos na rua.
Lembro de quando cheguei a Boston pela primeira vez. Era janeiro, e vim municiado com minhas roupas mais quentes, com as quais enfrentava galhardamente o inverno gaúcho. Achava que bastaria, mas, assim que botei o nariz para fora, meu Deus! Era um frio de doer e, quando digo doer, não é força de expressão. Dói mesmo, como se você fosse espancado pelo ar que o cerca.
Corri à primeira loja de roupas, comprei meias da espessura do dedo indicador de Mike Tyson, botas Ugly tão impermeáveis quanto a zaga formada por Kannemann e Geromel, um casaco forrado com penas de gansos selvagens da Macedônia, gorro e luvas pesadas como a consciência dos políticos que administraram o Brasil nos últimos 15 anos e, finalmente, a capitulação de um gaúcho do IAPI: cuecões. Logo eu, que dizia não ser homem de usar cuecão.
Pois usei. Tenho usado. E tenho refletido sobre esse clima inclemente. Seríamos diferentes, nós brasileiros, se no Brasil fizesse frio assim. O clima infiltra-se no espírito do homem.
Há uma história da qual gosto muito e que cito sempre: a da criação de Frankenstein.
Um grupo de amigos estava reunido em uma casa nos Alpes Suíços no verão de 1816. Era para ser uma temporada de diversões ao ar livre, mas aquele ano ficou conhecido como "o ano sem verão" – não houve um único dia de calor em todo o Hemisfério Norte.
Retidos em casa, espremidos em frente à lareira, os amigos passavam o tempo se entorpecendo com láudano e propondo jogos uns aos outros. O anfitrião era o poeta Lord Byron, um bonitão famoso por suas grandes conquistas amorosas e sua pouca modéstia. Byron dizia que desde os tempos da Guerra de Troia nenhum ser humano havia sido tão disputado quanto ele – ou seja, o rapaz se achava a Helena de Esparta.
Motivado exatamente pelo ambiente sombrio daquele ano atípico, Byron propôs aos convivas uma espécie de concurso para apurar quem escreveria o melhor conto de terror. Ele mesmo pôs as mãos e a cabeça à obra e teceu poemas e contos de vampiro que, mais tarde, inspirariam Bram Stoker a conceber o romance Drácula.
Mas não foi Lord Byron quem venceu a disputa, e sim uma jovenzinha de 18 anos que era a mulher do poeta Percy Shelley. A moça se chamava Mary e, naqueles dias sinistros, montou, membro por membro, o apavorante Frankenstein.
Nosso clima quente é capaz de produzir monstros bem mais ameaçadores do que Drácula e Frankenstein.
Foi graças ao frio, portanto, que surgiram, quase ao mesmo tempo, os dois principais personagens de histórias de terror do Ocidente: Drácula e Frankenstein.
Conto e reconto essa história porque ela mostra como somos influenciados pelo ambiente. O que me dá a tentação de especular que tipo de povo seríamos se vivêssemos um terço do ano abaixo de zero.
O calor nos moldou. Dizemos de nós mesmos que somos malemolentes. Ou, no original, "manemolentes", de "mané mole". Mané que foi amolecido pelo calor, evidentemente.
Seríamos manemolentes e lenientes se precisássemos da ordem para sobreviver? Uma sociedade que vive em clima inóspito depende de que todos cumpram as regras. Alguém não faz a sua parte e outros morrem de frio.
Será a manemolência a explicação de brasileiros respeitáveis pregarem o desrespeito à Justiça, como estão fazendo tantos no caso do julgamento de Lula?
Tente esquecer que é Lula o protagonista, tente pensar apenas no despropósito que é um grupo político propor um "julgamento paralelo" de um réu simplesmente porque não aceita outra sentença que não seja a absolvição. Não é a contestação a um juiz, é a sabotagem de todo um sistema de Justiça, vindo da Polícia Federal e do Ministério Público, passando pelo juiz, chegando aos desembargadores.
É a virada de mesa, é o vale-tudo, é o desprezo às instituições por quem deveria defendê-las. É o fracasso da nação. Será fruto da irresponsabilidade tropical? Nosso clima quente é capaz de produzir monstros bem mais ameaçadores do que Drácula e Frankenstein.