Benjamin Franklin dizia que tudo que começa com raiva acaba em vergonha. Grande verdade, com uma exceção: no judô feminino da Olimpíada do Rio, o que começou com raiva acabou em medalha de bronze.
A gaúcha Mayra Aguiar arrancou com raiva o bronze do tatame da Arena Carioca 2 nesta quinta-feira, algo que ficou evidente pela forma como lutou e que foi admitido por ela depois de ter vencido a cubana Yalennis Castillo, na disputa pelo terceiro lugar.
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Mayra experimentou esse sentimento tão desprezado por Franklin devido à luta anterior, a decisão da semifinal contra a francesa Audrey Tcheumeo. Antes do combate, o ginásio vibrava de expectativa. A cada pausa entre lutas, a torcida cantava:
"Ole-lê! Ola-lá! A Mayra vem aí! O bicho vai pegar!"
Ou, simplesmente: "Mayra! Mayra!"
Ou, patrioticamente: "Brasil! Brasil!"
No momento em que o nome de Mayra foi anunciado pelo sistema de som, a torcida explodiu como em um gol. Mayra fez sua entrada ouvindo o ruído de milhares de pés batendo no piso de compensado.
Mas, quando a francesa entrou no ginásio, deu medo. Audrey é uma negra sólida, de 1m77cm de altura e 77 quilos. Ela caminhava com determinação, expelindo energia pelos poros e raiva pelo olhar.
Sim, raiva. Na semifinal, quem parecia sentir raiva era Audrey. Ela dava tapas na cabeça com as palmas das mãos e, ao pisar no tatame, o fez com um pulo curto e uma nova palmada na testa, desta vez com fúria ainda maior.
Mayra perdeu, mas foi por detalhes. Poderia ter ganho. Caminhou para o vestiário frustrada, sabendo que tinha pouco mais de um quarto de hora para se recuperar e enfrentar a cubana. Foram 16 minutos. Nessa fatia de tempo, Mayra transformou a tristeza em raiva.
– Troquei o sentimento – reconheceu, mais tarde.
Mayra armou-se de raiva. Mas uma raiva direcionada, uma raiva com o objetivo de vencer. Mais ou menos como ensinava Schopenhauer, que escrevia sobre o poder da raiva controlada. "Os animais de sangue frio são os únicos que têm veneno", lembrava o velho filósofo, e Mayra foi assim: foi uma serpente, uma víbora, talvez, irresistível, de picada mortal, de peçonha que ficou concentrada em quatro minutos e depois se esvaiu em risos, no suave pódio dos vencedores.