Correção: 30% dos japoneses têm mais de 65 anos, e não 60%, como estava escrito nesta reportagem entre as 18h48min do dia 14 de maio e as 20h50min do dia 16 de maio. O texto já foi corrigido.
* Texto pulicado em Zero Hora no espaço do colunista David Coimbra, que está em licença médica.
Nagoro é uma pequena cidade escondida nas montanhas do Japão e passaria despercebida não estivesse lá um exemplo social radical de um fenômeno planetário. Em 2001, houve o último nascimento registrado na cidade. Onze anos depois, a escola de Ensino Fundamental fechou as portas por falta de alunos. Em Nagoro, hoje, restam apenas cerca de 200 pessoas e o morador mais jovem tem 40 anos de idade.
Nagoro é um símbolo de envelhecimento e redução da população encravado no meio da nação mais “grisalha” do mundo. Trinta por cento dos japoneses têm mais de 65 anos e desde 2007 a população vem encolhendo. A novidade agora é que a transição demográfica é tão profunda e foi tão longe, que em algumas cidades faltam jovens.
Em Nagoro, os moradores encontraram uma maneira criativa de suprir a falta de crianças e adolescentes criando bonecas de pano para ocupar salas de aula da escola fechada, parques infantis e praças que estavam vazios. Isso despertou a curiosidade de turistas, rendeu imagens marcantes mas não responde a uma questão crucial: qual é o limite para o desequilíbrio da faixa etária da população? Quais são os efeitos possíveis em uma sociedade que tem muito mais idosos e poucos jovens? Quem financia os sistemas de previdência e saúde que serão usufruídos pela maioria em idade de aposentadoria da população.
Em 2011, eu percorri mais de 2 mil quilômetros pelo interior do Japão e foram raras as vezes que entrevistei jovens. Adultos em idade mais avançada compunham o perfil médio de pessoas que viviam na área da costa leste japonesa, fortemente abatida pelo tsunami de março daquele ano.
Até recentemente, essas eram questões que pareciam inquietar apenas países como o Japão. Não é mais. Primeiro a Europa e agora até os Estados Unidos experimentam um declínio demográfico que faz soar o sinal de alerta. Pela primeira vez em gerações, houve queda na expansão populacional, recuo só superado pela década de 30 do século passado, no auge da Depressão americana. O que faz os americanos terem menos filhos é uma combinação de fatores parecida com a que levou o Japão, a partir dos anos 1970, a experimentar o mesmo caminho: instabilidade econômica e mudança de comportamento de uma sociedade que coloca o trabalho no centro das suas preocupações de vida em detrimento da formação de uma família.
A transformação da pirâmide etária ganhou ainda mais importância na última semana, quando a China, o país mais populoso do mundo, mostrou o seu censo decenal. Justo a China, o país da política do filho único, do controle da natalidade, que segurou o crescimento para tentar equilibrar a distribuição de habitantes entre o campo e a cidade, essa China está envelhecendo. O país estourou a barreira de 1,4 bilhão de habitantes, mas viu recuo no crescimento populacional geral de uma década para outra e aumento da população acima dos 60 anos – hoje, em torno de 19% da população chinesa, incríveis 264 milhões de pessoas são idosos. No noroeste da China, por exemplo, o governo estuda acabar de vez com qualquer regra de controle de natalidade, pois o grupo de jovens está ficando menor a cada ano. O Japão antes, depois a Europa e, mais recentemente, as duas nações mais poderosas do mundo, Estados Unidos e China, fazem da transformação etária um tema planetário que interessa até a nós, aqui no Rio Grande do Sul, o Estado com a população mais idosa do Brasil.
Hoje os gaúchos acima dos 60 anos representam quase 20% do Estado. Mas, ao final desta década, serão 24%; em 2040, 32%, segundo o IBGE, bem acima da média nacional. Ou seja, quando as minhas filhas, a Jojô e a Tetê forem adultas, elas farão parte de grupo etário menor e com mais responsabilidades. Será uma faixa que terá de produzir mais, render mais para contribuir para um Estado de bem-estar até mesmo mais limitado para os mais longevos.
O economista Aod Cunha tem examinado o assunto com a persistência que o tema exige. O Brasil, lembra o Aod, fará uma das transições demográficas mais rápidas da história mundial. Mas aqui temos um agravante que outros países, como o Japão, não têm: o fosso social e a precariedade dos sistemas públicos de educação e saúde. E, aqui no Brasil, perdemos a chance de nos beneficiar do chamado bônus demográfico, quando os jovens eram mais numerosos. Ali deixamos escapar a possibilidade de dar condições para o país “ficar rico antes de envelhecer”. A resposta para recuperar o terreno perdido está na educação, aponta Aod Cunha.
O Brasil precisa preparar pessoas mais qualificadas para permitir uma mobilidade social mais acelerada e, desta forma, aprimorar o potencial de crescimento do país. Formar uma próxima geração mais preparada e qualificada pode evitar que, no futuro, os jovens sejam meros bonecos de pano figurativos que ficam olhando a vida passar. Ou até menos do que isso.