Juiz há 26 anos, Paulo Augusto Irion já conduziu cerca de 400 julgamentos. Desde maio do ano passado, além do Tribunal do Júri da Capital, Irion acumula a função de fiscalizar a execução da pena em cadeias da Região Metropolitana. É dos poucos magistrados que passam parte do tempo dentro dos ambientes de encarceramento, no complexo de Charqueadas, onde há 2,5 mil presos.
Entre terça e quarta-feira, conduziu um dos julgamentos mais difíceis da carreira: o caso Bárbara Penna, 25 anos, que teve o apartamento invadido pelo ex-companheiro, João Guatimozin Moojen Neto, em 2013.
O homem a agrediu e ateou fogo ao local. O incêndio provocou a morte de Isadora, de dois anos, e de João Henrique, de três meses (filhos deles), e de um vizinho, 79 anos, sufocado nas escadas. Bárbara teve mais de 40% do corpo queimado. Moojen Neto foi condenado a 28 anos e quatro meses de cadeia.
Que avaliação o senhor faz do júri do caso Bárbara Penna?
Era um julgamento que sabíamos que haveria emoções, envolvendo muita dor. E, pelos laudos médicos, em relação ao acusado, que o sofrimento era vivido desde os acontecimentos pelas duas famílias. Isso se concretizou durante o julgamento, razão pela qual tomamos alguns cuidados: fizemos reunião prévia com representastes do MP (Ministério Público) e da Defensoria Pública, acertando alguns detalhes.
Existia expectativa em relação à duração do júri?
Sabíamos que a sessão do tribunal do júri seria bastante longa, a prova é que ela durou 21 horas no somatório dos dois dias. E em um julgamento em que as emoções estão afloradas, temos de ter cuidado para que não ocorram manifestações que possam conduzir à dissolução do conselho de sentença. Tivemos de passar algumas orientações para que fossem transmitidas às duas famílias e também à imprensa para preservar o sigilo e os jurados. A 3ª Vara do Júri foi criada há pouco em Porto Alegre, composta quase totalmente por pessoas que nunca serviram antes como jurados. Temos de ter o cuidado de dar toda a tranquilidade para eles que, de uma hora para a outra, se veem na responsabilidade de julgar um caso que tem tantas emoções e repercussões.
Qual foi a parte mais delicada?
Houve muitas. Na tomada das declarações dos informantes em juízo, ninguém a fez com compromisso de testemunha, porque todos tinham interesse na causa, ou por amizade ou por vínculo de parentesco. Mas, em todos os casos, envolvia emoção porque eram pessoas que viveram toda a relação e sofreram consequências do fato.
O senhor precisou interromper a sessão, em determinado momento, porque um jurado se emocionou. Isso podia colocar o júri em risco?
Não é comum. Mas ao mesmo tempo, existe precedente e isso não gera nulidade. Ao perceber que o jurado estava se emocionando, imediatamente tomei essa conduta de interromper o julgamento, conduzir os jurados até a sala secreta para que a gente pudesse retomar um pouco, passar algumas orientações, caso alguns percebessem que isso poderia voltar a acontecer, para que preventivamente avisassem. A partir daquele momento, ficamos também atentos à reação de jurados e juradas para que não voltasse a ocorrer aquilo. Pedi a cada um deles que, se sentisse que pudesse ser tomado de novo pela emoção, levantasse a mão para que gente interrompesse imediatamente a sessão.
É bom que um caso como esse tenha bastante repercussão na mídia para que todos fiquem cientes de que não só a sociedade e a mídia, como também o Judiciário está atento para coibir condutas nesse sentido.
Qual é o simbolismo de uma sentença como essa em relação ao combate à violência contra a mulher?
Isso tem de servir de exemplo porque situações de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças ou idosos não podem ser toleradas. É bom que um caso como esse tenha bastante repercussão na mídia para que todos fiquem cientes de que não só a sociedade e a mídia, como também o Judiciário está atento para coibir condutas nesse sentido.
Quais são os desafios para o magistrado ao conduzir um julgamento com tanto apelo emocional e popular?
O juiz tem de se tornar aquela pessoa mais fria. E o juiz também precisa sopesar as emoções de ambos os lados. Tínhamos também a família do réu com bastante dor e sofrimento. Também eles tinham relações afetivas e amorosas bastante fortes com as crianças, que foram à morte com o fato. Quando o sentimento de dor envolve as duas partes do processo, a gente precisa manter o equilíbrio para que o tratamento seja isonômico, em relação ao réu, à vítima e aos familiares de ambos. E, acima de tudo, o juiz é o guardião dos direitos fundamentais da pessoa acusada. A função do juiz é manter o tratamento isonômico para todas as partes e fazer com que as emoções não coloquem em risco o desenrolar de um trabalho exaustivo.
Qual o nível de exaustão entre todos os envolvidos em um júri desse porte?
No final do julgamento, bastava olhar para o semblante dos jurados para ver que o cansaço estava tomando conta – não só físico, mas também emocional, de tudo aquilo que eles tomaram conhecimento. E veja o cuidado que a gente tem: os jurados são convocados por mês. Temos um corpo de jurados para todo o mês de setembro e marcamos um pequeno júri na segunda-feira. Como esse (caso Bárbara) foi marcado para os dias 3 e 4, a gente teve o cuidado de marcar um primeiro júri pequeno na segunda à tarde para que esse não fosse o primeiro júri do mês.
Prevaleceu a tese de que Moojen Neto seria perfeitamente capaz de entender o que estava fazendo contra as vítimas?
Em relação à Bárbara, que é vítima, que foi tentativa de homicídio, os jurados entenderam que ele era perfeitamente capaz. Em relação às duas crianças (que morreram), os jurados acataram até mesmo o que o Ministério Público colocava, e que foi o que constava no laudo médico, de que ele era semi-incapaz. E em relação à quarta vítima, o senhor que foi socorrer (as crianças, e morreu por asfixia com a fumaça), os jurados acataram a tese de que houve apenas nexo de causalidade, com causa independente, e o absolveram. As perguntas foram formuladas em relação à capacidade e à imputabilidade ou não dele em relação à Bárbara e em relação às crianças.