Em matéria de educação pública, existe um município de 200 mil habitantes no interior do Ceará em que as prefeituras gaúchas poderiam se espelhar. Sobral, a 230 quilômetros da Capital, Fortaleza, consolidou-se na primeira posição brasileira do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Ministério da Educação. Para o Rio Grande do Sul, Estado que patina na formação de alunos da rede pública com resultados pouco confortáveis, a cidade cearense oferece a fórmula: política de longo prazo, continuidade nas ações e foco no aprendizado do aluno, que passa o dia inteiro dentro da escola. O secretário de Educação de Sobral, Herbert Vasconcelos, chama atenção para o envolvimento dos pais como fator importante para a eficiência da educação.
O que levou Sobral para a posição em que está hoje no Ideb?
Nada foi alcançado no curto prazo. Sobral tem uma política pública educacional que está completando 24 anos e que foi se constituindo com a continuidade. Esse é um ponto fundamental: uma sequência de prefeitos de partidos diferentes tiveram como linha de prioridade a educação pública. O segundo pilar fundamental é a questão de não atrelar as questões políticas e ideológicas com as políticas públicas, o planejamento, a equidade e a eficiência – ou seja, separar política partidária da política pública. Por último, basear a educação em alguns princípios. O primeiro deles é que fortalecemos a gestão escolar. Há quase duas décadas, diretores e coordenadores em Sobral não são indicações políticas nem do prefeito, nem do secretário, nem dos vereadores. Passam por processo seletivo, edital público, com prova escrita eliminatória, análise de título, entrevista, curso de formação. Então, são habilitados a serem ou não diretores escolares.
E a questão dos investimentos e recursos?
Há também a descentralização financeira. Temos um programa de transferência de recursos direto para a escola, e é ela quem faz esse gerenciamento, pagando as suas contas, fazendo pequenos serviços. Isso dá dinamismo à gestão. Avaliamos de seis em seis meses todos os estudantes da rede pública há mais de uma década, monitorando os níveis de aprendizado nas habilidades e nas competências preestabelecidas.
Todos os estudantes são avaliados de seis em seis meses?
Dos 35 mil alunos, nas 62 unidades escolares, avaliamos de seis em seis meses 22,8 mil, que são alunos desde o infantil 5 (na última série do ciclo da educação infantil) até o nono ano. Diferentemente do sistema nacional de avaliação, que só avalia algumas séries, avaliamos todos os alunos desses anos.
Há outras iniciativas que o senhor considera relevante?
A política de valorização e reconhecimento dos profissionais do magistério. A partir da aprendizagem dos alunos, professores podem receber remunerações, gratificações e bonificações direto no contracheque deles. Todos esses fatores compõem a política educacional de Sobral, que a gente considera que já superou desafios ainda existentes no Brasil.
Como ocorre na prática a bonificação dos professores pelo desempenho dos alunos?
Ao sair o resultado, os estudantes e as escolas podem estar acima ou abaixo de uma média geral, considerando todas as escolas municipais. A partir daí, existem critérios e valores estabelecidos em cada série em que o professor, se alcançar aquela meta, vai receber no seu contracheque o salário e o valor da bonificação.
Essa bonificação pode chegar a quanto?
Depende da série, de percentual de acerto, de vários fatores. Em média, o professor pode receber R$ 300, R$ 400, R$ 500 a mais. Se for coordenador, recebe um valor um pouco maior, como R$ 600. Se for diretor, R$ 800.
O senhor colocou como um dos pilares a ausência da ideologia.
Discute-se muito sobre métodos de aprendizagem para consolidar o processo de alfabetização de crianças. No primeiro ano, há defensores de que o método fônico é o mais efetivo. Outros teóricos defendem a perspectiva construtivista. Em Sobral, a gente não usa nenhum método específico. Tentamos extrair o que há de mais importante e essencial nesses métodos. E a partir da formação continuada dos professores, que uma escola de formação do município desenvolve mensalmente com todos os professores da rede municipal, extraímos o que há de importante e bom em cada método e tentamos criar estratégias baseadas na realidade de cada escola e nas habilidades desenvolvidas na formação continuada do professor. Na prática, temos de adaptar a realidade do processo de ensino à condição socioeconômica e à formação do profissional. Não existem método ou teoria ideais.
Cada criança que falta um dia, o diretor já liga diretamente para os pais. Se não conseguir contato, vai à casa deles. Nossa meta é não perder nenhuma criança.
HERBERT VASCONCELOS
Qual é a realidade do aluno na escola pública em Sobral?
É um estudante que tem limitações socioeconômicas, porque vem de família, em geral, pobre. Nossa média de renda das famílias dos estudantes não chega a um salário mínimo. É um aluno que tem a escola como principal alternativa para melhorar as condições de vida. Ao chegar, recebe fardamento, calçado, agenda e livro, todo o suporte de material, que se assemelha ao que ganha um aluno que vai começar o ano em escola privada.
Como funciona o financiamento da Educação?
Temos, como os demais municípios do país, recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que somam 60% do orçamento da educação municipal, e a prefeitura entra com 26% a 27%. Importante o fato de o Estado do Ceará ter um princípio meritocrático de rateio de seus encargos que preza pelo desempenho que os alunos têm no sistema estadual de educação. Dessa forma, prefeitos passaram a dar valor à educação também porque isso atrai mais recursos aos municípios.
Há preocupação em relação à alimentação do estudante?
Geralmente, é na escola a principal refeição nutricional da criança no dia. A gente tem feito um café da manhã e um lanche. Muitas vezes, a criança não volta para casa ao meio-dia porque, no contraturno, ela participa de reforço escolar, incentivo à leitura, olimpíadas científica e acadêmica. Sobral tem número elevado de premiações por isso. Outro aspecto é o trabalho motivacional. Um pilar importante no sucesso escolar é a gestão e tem por liderança o diretor. Eles passam por processo seletivo, não há indicação política, e são acompanhados periodicamente pela Secretaria de Educação para fazer bom trabalho na área administrativa e pedagógica, com interlocução constante com a família. Cada criança que falta um dia, o diretor já liga diretamente para os pais. Se não conseguir contato, vai à casa deles. Nossa meta é não perder nenhuma criança.
O senhor garante que colocaria o seu filho na escola pública de Sobral?
Sim. E não só eu. Em Sobral, existem diversos casos de diretores que têm filhos matriculados em escolas públicas. No ensino fundamental, principalmente, porque isso está muito consolidado aqui.
A alta qualidade da educação pública se reflete no aspecto da segurança no município?
Inicialmente, imaginávamos que sim. Sobral conseguiu indicadores importantes com auxílio da educação. Temos a menor mortalidade infantil do Estado e ainda contamos com bons índices de emprego. Na contramão disso, a criminalidade ainda é significativa. Isso nos fez compreender que a violência urbana ainda é um tema muito complexo. Tem a questão geográfica. Somos parte de um corredor do narcotráfico que se aproveita da saída para o oceano Atlântico. Temos facções criminosas que se deslocaram do sudeste do país para cá. Isso ainda nos desafia.