Em janeiro de 2017, quando a atual gestão da prefeitura de Porto Alegre dava os primeiros passos, o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, deu uma declaração durante entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, que sobressaltou os porto-alegrenses: o IPTU é o mesmo desde 1991.
— Precisamos corrigir a planta e isso vai significar aumento para muita gente.
Desde então, Busatto dedicou boa parte do tempo no comando da pasta para mudar a fórmula usada para cobrar o imposto. O principal argumento para justificar o projeto foi defasagem da planta, que ficou 28 anos sem ser corrigida. Na entrevista publicada no início de maio, esta coluna ouviu o ex-prefeito José Fortunati. Ele criticou o projeto da atual gestão e sugeriu que as novas regras podem favorecer a especulação imobiliária. Busatto pediu para fazer o contraponto.
O novo IPTU dá margem para a especulação imobiliária?Isso não condiz com a realidade. Talvez seja um equívoco a partir de informações não verdadeiras que circularam sobre o projeto. No final das contas, o que importa é o valor do imposto, do tributo, sobre o terreno, e isso vai aumentar em quase 50%. A prefeitura teve a preocupação de cobrar mais de terrenos, justamente para não favorecer a especulação imobiliária, combater vazios urbanos e fazer com que os detentores de áreas efetivamente construam e não fiquem esperando a valorização do terreno enquanto existem um déficit habitacional e também uma pressão.
O dono do terreno vai pagar quanto a mais com o novo projeto?
Cada caso é específico, mas, na média, dá pouco menos de 50%. São 49,3%, em média, de aumento do IPTU. Isso vai fazer com que ele busque construir algo em cima porque hoje, em relação a um terreno, imóvel de mesmo valor, o terreno paga mais de 500%, mais de cinco vezes de IPTU em relação a um proprietário de imóvel residencial. Ou seja, é desvantajoso ficar com o terreno e não construir.
O que a gente faz quando atualiza a planta é melhorar a alocação do imposto. O que é isso? Quem pode mais paga mais, e quem pode menos, paga menos. Essa é a ideia da correção da planta de valores.
O projeto a prevê a revisão da planta a cada quatro anos. Isso obriga o prefeito a corrigir ou ele pode segurar o aumento?
Previmos isso porque, além de ser uma recomendação do Ministério das Cidades e do Tribunal de Contas, a maioria das capitais tem esse mecanismo. Ele obriga o Executivo a enviar a correção da planta a cada quatro anos, porém não resolve o todo, porque o Executivo pode limitar a alta da tributação a um determinado valor, ou até dizer que não vai aumentar o IPTU dos imóveis. Só resolveria se houvesse uma previsão federal, constitucional para isso.
Quais os riscos de se deixar tanto tempo sem correção?
O risco é fazer com que as pessoas que têm imóveis que se desvalorizaram ao longo do tempo paguem mais IPTU do que aqueles com imóveis que se valorizaram. Não sabemos como será Porto Alegre daqui a 10, 20 ou 30 anos, mas sabemos que algumas áreas vão se valorizar mais e outras menos, ou até se desvalorizar. O que a gente faz quando atualiza a planta é melhorar a alocação do imposto. O que é isso? Quem pode mais paga mais, e quem pode menos, paga menos. Essa é a ideia da correção da planta de valores.
A prefeitura vai sancionar a emenda que estende para seis anos a implantação total do novo IPTU?
Essa previsão estendeu para seis anos o prazo e colocou que o limite para o primeiro ano é de 30%, mas, no segundo, seria de 20%, no terceiro, de 20%, e assim por diante, até o sexto ano. Até que, no sétimo ano, em 2026, o contribuinte pagaria o imposto devido. A tendência – e o próprio prefeito já se manifestou – é de que seja sancionada, porque impacta até a próxima gestão.
Existe o risco de, no último ano de transição, um contribuinte ter aumento acima de 100%?
Quando usamos percentual, pode ser um pouco confuso. Vão ter imóveis que vão aumentar mais de 100%? Sim. Mas tem imóveis hoje que pagam R$ 5, e deveriam pagar R$ 100.
Como assim?
No caso de imóveis que hoje pagam R$ 5 e vão pagar R$ 100, não são nem 100% nem 300% – é muito mais. Na prática, a pessoa deixou de pagar R$ 100 ao longo de 28 anos. Percentualmente, é um impacto grande, mas, nominalmente, a pessoa pagará, em vez de R$ 5, R$ 100 por ano. Lembrando que isso é por ano, e o contribuinte pode parcelar em até 10 vezes. Pode acontecer que, no último ano, ocorram aumentos percentuais grandes, mas são aqueles imóveis mais defasados, que há muito tempo já deveriam estar pagando o valor de imposto maior. Sabemos que isso pode ter um impacto, mas é o mais justo. Mesmo judicialmente, a jurisprudência é pacífica de que isso pode acontecer, porque existe essa transição de quatro ou até seis anos, com previsão no projeto.
O custo de cada lado de um quarteirão é baseado em valores de mercado e variáveis como renda per capita e valorização imobiliária.
Como a prefeitura decidiu que em uma rua seria um cálculo, e em outra, outro?
A metodologia existe há muito tempo e é usada por praticamente todas as capitais do país. Calcula-se o custo do metro quadrado, custo médio, por face de quarteirão. A gente tem um quarteirão, e cada lado da rua, virado para a rua, tem um valor. O custo de cada lado de um quarteirão é baseado em valores de mercado e variáveis como renda per capita e valorização imobiliária. Além disso, existe o valor pelo tempo do imóvel, ou seja, quanto mais antigo o imóvel, menor o valor do IPTU. E também o tipo de construção. Isso é o que a gente chama de planta genérica de valores. É uma aproximação do valor individual do imóvel de cada contribuinte.
A prefeitura montou um simulador do IPTU e, quando chegou no momento-chave, ele não funcionou. Por quê?
Porto Alegre foi a primeira e única cidade do país que disponibilizou um simulador. Retiramos do ar ao final do ano passado, não foi à véspera da votação. Inclusive, menos de 5% da população acessou o simulador para olhar quanto era – quem olhou naquela época vai saber que é muito parecido com o que vai acontecer com esse projeto. Só que, com nova discussão do projeto, não sabíamos quando seria votado e em que modelo. Quando decidimos que seria votado, voltou-se a trabalhar nisso. É um trabalho complexo: são mais de 770 mil imóveis, e aí não deu tempo. O prazo era de que, naquela semana da votação, estivesse à disposição do contribuinte. Acabou que, por contexto político, o projeto foi votado na segunda-feira, e a gente vai voltar a colocá-lo (o simulador) no ar assim que a lei tiver sido sancionada.
O senhor não teme que, com a possibilidade de atrasos nos salários dos servidores, parte desse recurso seja usada para pagar salários, e não para investir na cidade?
A questão da atualização da planta do IPTU veio depois de uma série de medidas de redução de despesa, não só de maneira administrativa, do custeio da máquina, mas também estruturais, na previdência e de pessoal. Foram mais de R$ 250 milhões de redução de custeio de 2018, comparado com 2016, e uma série de projetos, inclusive a redução do aumento vegetativo dos salários, a correção de uma série de injustiças e a mudança na previdência. E a atualização da planta foi o último projeto dessa reforma estrutural. Nossa convicção é de que, com a atualização da planta, principalmente o próximo governo terá condições de não só pagar o salário em dia, mas de voltar a investir. Porque todo porto-alegrense sabe da necessidade de ampliar recursos em áreas específicas, principalmente em zeladoria e infraestrutura.
O senhor vai pagar mais de IPTU?
Bem mais. Meus vizinhos não gostaram. Fiz questão de não saber antes de o projeto ser aprovado. Vou pagar mais, em torno de 70%. Mas hoje pago menos da metade do que pago de IPVA de um carro. Então, vou continuar pagando menos que o IPVA, e, se eu comparar com outras questões que a gente paga usualmente, ainda vou pagar menos. Acho que, como tenho condições de pagar um pouco mais, para mim não teria problema.