Pela primeira vez na história*, um delegado de polícia vai assumir um posto no primeiro escalão do governo do Rio Grande do Sul. Ranolfo Vieira Júnior (PTB) não será secretário de Segurança, mas como vice-governador eleito ao lado do futuro governador Eduardo Leite (PSDB), terá a missão de ajudar numa das áreas que vivem em crise no Estado.
Com a experiência de ter chefiado a Polícia Civil e comandado a Secretaria da Segurança Pública e Cidadania de Canoas, o delegado faz o diagnóstico do que precisa mudar, fala sobre tráfico de drogas, presídios e flexibilização do Estatuto do Desarmamento.
A entrevista foi feita antes do episódio do ataque a tiros dentro do Hospital Centenário, em São Leopoldo, no qual um jovem de 19 anos acabou assassinado por engano. GaúchaZH voltou a contatar Ranolfo sexta-feira para que comentasse o fato, mas ele preferiu não se manifestar em razão do período de transição de governo.
O que precisa mudar na segurança pública?
É um tema que está na pauta política nacional. A eleição de Jair Bolsonaro passa muito por isso. Aqui no Rio Grande do Sul, também teve um significado especial na eleição, até porque o vice na chapa que ganhou é um membro da Polícia Civil. No nosso governo, esse assunto vai ter uma atenção diferenciada, exatamente por estar entre as principais preocupações dos brasileiros. A curto prazo, precisamos dar prioridade ao tripé da segurança, os três “is”: investimento, integração e inteligência. Não podemos mais conceber que as polícias não estejam integradas, no nosso caso Brigada Militar (BM), Polícia Civil, Instituto-Geral de Perícias e Corpo de Bombeiros.
Integração é fazer operações conjuntas ou compartilhar processos?
É integrar o planejamento e a execução da segurança pública. Ter integração maior até com forças federais. Exemplo: na Região Metropolitana, tem as BRs 116, 290, 386 e 448 que escoam a criminalidade, então, a integração com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) é fundamental. Isso passa também pelos municípios, que detêm as guardas municipais. No eixo Porto Alegre-Vale do Sinos, todas as cidades têm Guarda Municipal. A única onde
os guardas ainda não estão armados é Esteio.
O segundo eixo é inteligência. Temos de mapear melhor o crime, o tipo, a hora que mais acontece, e isso tem de chegar na ponta, dentro dessa integração. Fizemos isso em Canoas, de forma integrada, e funcionava muito bem. Para a Região Metropolitana, temos de ter um gabinete de gestão integrada regional. O crime que acontece em Alvorada é o mesmo que acontece em Gravataí, Cachoeirinha e Viamão, não tem barreiras. A ideia é criar uma força de integração.
Como se faz isso com cofres raspados?
Bem, investimento é fundamental. Não posso falar em segurança sem pensar no mínimo de investimento. Temos noção da escassez. Cabe ao governante optar na questão das prioridades de investimento. Se o tema está no topo das preocupações dos gaúchos, cabe ao governante pensar dessa forma na distribuição dos recursos. Tem de ter também um olhar diferente para saber buscar o recurso. E temos de pensar na qualificação do policial também. Não podemos aceitar que o agente, quando se forma, depois de passar por treinamento, nunca mais volte para a academia de polícia. Tem de ter formação continuada.
O senhor vai ajudar a escolher o secretário da Segurança. Há candidatos?
Não quero fazer especulações agora. Mas é claro que já temos nomes em mente. Pela tensão que a área impõe, temos de ter cuidado redobrado na escolha.
E o que está planejado para enfrentar o caos nos presídios?
Temos de abrir vaga, não tem mais como levar a coisa do jeito que está. Está começando a cair a ficha da sociedade de que se precisa mesmo construir mais presídios. Antigamente, se tinha a ideia de que “vamos atirar todo mundo lá dentro do presídio e o azar é do bandido”. Só que esse cara vai voltar para o convívio da sociedade. Temos de abrir vagas em presídios. E como se faz isso? Desburocratizando o sistema. Pretendemos criar a Secretaria de Administração Penitenciária, a exemplo do que se tem em vários Estados, inclusive São Paulo.
Mas mesmo uma secretaria esbarra na falta de dinheiro.
Mas, aí, tem de ter planejamento. Dia 1º de janeiro, quando sentarmos na cadeira, teremos de ter quantos presídios, onde serão construídos. Tem de ser presídio pequeno, de 300, 400 vagas no máximo. Presídio regional e com disciplina.
O cara tem de estar uniformizado e sem facção. E mais: o presídio tem de ser inaugurado com toda a tecnologia de segurança já pronta para evitar o exemplo de Canoas. E mais ainda: o Fundo Penitenciário Nacional tem dinheiro, tem mais de R$ 2 bilhões lá.
O que mais lhe incomodada na segurança?
A chegada das facções criminosas ao interior do Estado de uma maneira muito forte. Na campanha (eleitoral), fui a muitas cidades, muitas delas pequenas, e se falava muito na infiltração do crime organizado.
Como quebrar a espinha dorsal da facção?
Metendo a mão no bolso deles, no patrimônio. Quando se fala no “líder da facção”. Esse cara é o que aparece, que está ganhando alguma visibilidade. Por trás dele, existe um capital, uma indústria enorme. O desafio é identificar e desmantelar quem financia a droga. Quando chegar nesses, vai-se começar a quebrar a espinha dorsal da facção.
A descriminalização da maconha é uma alternativa?
Sou contra. Acho que não é por aí. Existem várias outras ações como essa que acabei de relatar que, no meu entendimento, podem ser muito mais eficientes. E políticas preventivas que atacam na raiz do problema, da educação, por exemplo. O jovem é disputado pelo tráfico de drogas. Aí está um dos problemas.
O novo governo federal quer flexibilizar o acesso às armas. Qual a sua opinião?
A flexibilização deve acontecer. Mas sou contra liberação geral. Não posso ir ali na esquina, como vou na padaria, comprar uma arma, colocar na cintura e sair por aí. E falo com experiência de policial, de quem já passou por uma academia, que já esteve em confronto. Tem de ter conhecimento prático, de apontar, tem de ter aptidão psicológica. Um policial, por exemplo, quantas vezes por dia essa pessoa manuseia uma arma? O dia inteiro. Se não for assim, a pessoa vai causar um acidente por descuido. Imagina se liberar geral? Tem de ter o mínimo de conhecimento, de prática e de aptidão psicológica.
*A exceção, segundo a assessoria da Secretaria da Segurança Pública (SSP), ocorreu por apenas sete dias, no intervalo entre a exoneração de Wantuir Jacini e o anúncio do atual secretário, Cezar Schirmer. Entre 1º e 8 de setembro de 2016, o delegado Jorge Luiz Soares assumiu as funções de secretário, pela necessidade de manter a operação administrativa. Durante o governo de Alceu Collares (1991-1994), a pasta, denominada Secretária de Justiça e Segurança à época, foi extinta, e o chefe da Polícia Civil e o comandante da Brigada Militar (BM) foram elevados ao status de secretário.