A eleição de 2018 impôs um novo desafio às autoridades que fiscalizam o processo eleitoral e deixou lições para o pleito de 2020: o monitoramento e a necessidade de rápida resposta para a proliferação de notícias falsas. A ação mais ofensiva contra fake news foi a Operação Olhos de Lince, deflagrada em 24 de outubro, quatro dias antes do segundo turno, e teve como alvo pessoas que produziram e espalharam conteúdo falso relacionado à eleição. Na serra gaúcha, um estudante de 19 anos foi autuado por crime eleitoral ao pregar, em redes sociais, ameaças de morte a um candidato. Em Porto Alegre, depois de divulgar vídeo afirmando que as urnas eletrônicas estavam fraudadas, uma educadora física acabou indiciada. O superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, delegado Alexandre Isbarrola, avalia que a eleição deixou ensinamentos para quem acredita que a internet é terra de ninguém.
O volume de notícias falsas surpreendeu as autoridades?
Vimos, sim, movimentos de segmentos isolados na tentativa de produzir a desinformação, seja para manipular a opinião pública, seja para atingir uma pessoa, mas acredito que foi natural dentro do contexto social. E para toda ação, existe uma reação. Diante do cenário que se desenhou, onde por meio de vídeos divulgados pelas redes sociais se procurou propagar desinformação, os órgãos de Estado envolvidos nesse processo estavam estruturados e integrados. Houve uma reação dessas instituições que começaram a apresentar o resultado das apurações com a responsabilização das pessoas envolvidas. A surpresa maior foi de quem propagou a notícia falsa porque achava que a internet seria um universo paralelo onde não existe lei e poderia atuar anonimamente.
Qual foi o caso mais importante no Rio Grande do Sul?
Cito dois. O caso do vídeo da urna eletrônica, no qual a Justiça Eleitoral nos demandou e, em 24 horas, tínhamos identificado a pessoa e a interrogado, sendo que ela acabou responsabilizada pelo ato. E a Operação Olhos de Lince.
A resposta rápida é fundamental para conter a propagação da notícia falsa?
As respostas rápidas foram pedagógicas e dissuasórias para que houvesse a divulgação do que era fake news. Esse é o aspecto importante a ser destacado: as pessoas responsabilizadas tiveram a exata noção de que, se não agissem de acordo com a lei, pagariam por isso fazendo com que a lei tivesse a eficácia pretendida.
No primeiro turno, houve enxurrada de notícias falsas. No segundo turno, muito menos. O que explica?
Sem dúvida nenhuma, o grande fator que fez essa diferença foi, sim, a ação das instituições, da Polícia Federal e da Justiça Eleitoral, que identificaram as pessoas e as responsabilizaram. A partir da Operação Olhos de Lince, ficou claro que atos assim não ficariam impunes.
Que lições ficam para a próxima eleição?
É difícil falar em tese se em 2020 teremos menos fake news do que agora. Mas, tendo em vista do que podemos extrair a partir do que foi feito neste ano, acredito que sim. A integração cada vez maior de instituições produz um efeito muito positivo. Este é um exemplo que deve ser mantido, porque o resultado foi bom e muito importante.
Como é a relação da Polícia Federal com os aplicativos?
Evitamos divulgar detalhes para não prejudicar nossos instrumentos de investigação. É sempre um jogo de gato e rato, sempre que se desvenda como se chega a determinado local, é ruim.
Mas nas redes é cada vez mais difícil ficar anônimo?
Com certeza. O trabalho que foi feito demonstra isso. As redes não são um território sem lei, e as pessoas não ficam anônimas. Aqueles que tiverem a intenção de usar as redes para cometer qualquer tipo de crime poderão ser identificados e responsabilizados pelos seus atos.
Existe a preocupação de que, ao agir para limitar notícias, mesmo que falsas, não se restrinja a liberdade de expressão?
Só agimos contra aqueles que claramente cometeram crimes. A atuação da Polícia Federal serviu para separar o joio do trigo, responsabilizar aqueles que propagavam desinformação para que se garanta a liberdade de expressão dos demais. As pessoas estão tendo uma percepção de que a Polícia Federal atua como garantidora das liberdades e da democracia. Embora possa parecer uma coisa antagônica, para que se tenha a liberdade dentro da democracia, ela precisa ter certa limitação, pois a liberdade de um cidadão vai até onde invade a liberdade do outro. Essa percepção de que as instituições públicas são órgãos que atuam na garantia da liberdade das pessoas para que se possa viver num Estado democrático de direito é importante porque demonstra o amadurecimento do nosso regime democrático.