Durante a semana, dando aula sobre alergias, contei que quando introduzi os alimentos sólidos para meus dois filhos usei um protocolo que os pediatras norte-americanos martelam nas mamães. A cada semana, dar apenas um alimento: só batatinha, só abobrinha, só cenoura etc. E observar para ver se as crianças não têm tendência para fazer uma reação alérgica.
Há muitas crianças diagnosticadas com alergias nos EUA. Festinha de criança, lá, metade das mães tem a seringazinha de epinefrina na bolsa. Aliás, essa seringa não é distribuída no Brasil. Aqui, o diagnóstico de qualquer problema hereditário em crianças é de difícil acesso, e para as alergias isso não é diferente. Mas o fato de não existir diagnóstico não torna o problema irrelevante – apenas faz com que mais pessoas sofram com isso.
Alergia parece um termo leve; o fenômeno imunológico se chama hipersensibilidade: fazer uma super-resposta imune a algo que para a maioria das pessoas não causa nenhuma reação. Essa resposta exagerada pode ser letal, como é o famoso choque anafilático, se não tratado imediatamente. O choque acontece porque todos os vasos se dilatam; a epinefrina reverte isso, mas não elimina a resposta, que ainda precisa ser acompanhada. Cada exposição àquilo que causa a alergia, como amendoim, por exemplo, é como se fosse uma vacina: a resposta fica mais intensa, e o risco de vida é maior.
Há décadas estudamos como tratar isso. Uma abordagem muito estudada seria fornecer pequenas doses do alvo por outra via que não a alimentar, um tratamento que alergistas usam em adultos. Mas o que fazer com os bebês? Na última semana, o New England Journal of Medicine publicou um estudo clínico de fase III que testou se é possível “vacinar” bebês com doses bem pequenas de amendoim e assim evitar o desenvolvimento da alergia que pode ser fatal. Em quem é alérgico, a resposta é instantânea porque já está lá, preparada – por “engano”, uma predisposição. O estudo mediu essa resposta em 362 casais de pais e seus bebês – todos alérgicos. Alguns dos filhos receberam um adesivo que dispensava doses controladas de amendoim, outros, placebo. Ao final de um ano, os bebês receberam um desafio com doses maiores de amendoim como alimento e os sintomas foram monitorados. O tratamento mostrou proteção significativa em comparação com o placebo, atenuando o número e a gravidade dos sintomas no desafio.
Esse desenho de tratamento é fruto de décadas de estudos por diferentes pesquisadores no mundo inteiro que viram o mesmo fenômeno. O alérgico faz uma resposta tipo IgE para o amendoim; o não alérgico, IgG. O tratamento via subcutânea com doses mínimas e continuadas faz o sistema imune “trocar” a resposta, inibindo os mecanismos moleculares que causam a hiper-resposta. Ciência sólida, verificada de forma independente: esta é a base de qualquer vacina ou medicamento.
O estudo clínico continua por mais alguns anos, para ver por quanto tempo isso funciona. Para então ser ainda examinado pelas FDAs e Anvisas do mundo para segurança e eficácia. Não aceite nada menos que isso para seus bebês.