Nesta semana, a Pfizer anunciou resultados, muito satisfatórios, do estudo clínico com sua vacina para o vírus sincicial respiratório (RSV). O RSV afeta e hospitaliza milhões de bebês no mundo inteiro, causando sequelas respiratórias para toda a vida. A estimativa é de que o RSV mata 120 mil bebês ao ano, principalmente neonatos e prematuros. Uma vacina sempre foi o principal foco de pesquisa de muitos imunologistas e pediatras, inclusive para o nosso grupo.
O número de infecções por RSV caiu durante a pandemia, em função das medidas de restrição de contato, e retomou o crescimento neste ano. Existem agora dois anticorpos monoclonais que podem ser usados para tratar bebês afetados. A vacina nova, testada em mais de 7 mil crianças, protegeu mais de 80% dos bebês da doença grave por três meses e 70%, em 6 meses. Ela tem dois aspectos interessantes. O primeiro é que é aplicada na mãe gestante. Ela faz os anticorpos, que são transferidos para o feto via placenta, e dessa maneira quando a criança vem a termo já está protegida. O segundo é o seu desenho, baseado na proteína F (de fusão) RSV e engenheirada para trancá-la na posição que chamamos de pré-fusão (antes de entrar nas células). Para entrar na célula, o vírus "desmancha" a proteína F e os anticorpos gerados contra o formato pós-fusão já não protegem. Se alguém acha familiar, há boa razão para isso: é o mesmo desenho da vacina para a covid-19 usado pelos imunizantes da Pfizer, da Moderna e da Janssen, trancando a proteína S do SARS-CoV-2 na posição pré-fusão.
O desenho genial das vacinas para os dois vírus vem do mesmo cientista, Barney Graham, antes no National Institutes of Allergy, e atualmente na Faculdade de Medicina do Morehouse College, em Atlanta (EUA). Essa vacina para o RSV já estava desenhada antes da pandemia, e quando o SARS-CoV-2 foi sequenciado e identificado, no início de 2020, Graham e seu colega Jason McLelland inspiraram-se no seu desenho para idealizar a vacina da Moderna. O desenho foi depois copiado pelas demais, sem dúvida um dos responsáveis pela sua alta eficácia.
Mais de 40 anos em pesquisas sobre diferentes vírus permitem o desenho eficiente de vacinas cuja produção havia sido abandonada. O mundo parece ter aprendido, dado o crescimento gradativo de investimento nessa área. Graham já esteve no Brasil várias vezes antes da pandemia, a convite da Sociedade Brasileira de Imunologia e de muitas outras, lecionou e recebeu nossos alunos e é um modelo para todos nós. O Brasil tem cientistas tão bons quanto nosso querido Barney, e que trabalharam incansavelmente durante a pandemia para compreender o SARS-CoV-2, inclusive desenhando e testando vacinas nacionais, retomando aos poucos nosso trabalho de antes. Esperamos que nos próximos anos o investimento nacional em ciência possa ser retomado, para que o Brasil ocupe o lugar que seus cientistas sempre souberam que ele pode ter. Mais ainda, que o investimento em educação científica seja uma constante, para que as mães e pais não deixem de proteger seus bebês.