Segunda semana de janeiro de 2022: metade do Brasil alagado, metade esturricado. Chuvas intensas e ondas de calor fazendo tanta gente sofrer ainda em meio a uma pandemia. São atos divinos ou é o clima? É mudança climática ou é natural? A verdade é que o risco de enchentes ou seca sempre existiu. Erros de planejamento e falta de governança é que fazem com que constituam desastres.
E as pessoas mais afetadas são normalmente aquelas em estado mais vulnerável, devido à desigualdade social. Culpar a natureza é apenas um jeito de desviar da responsabilidade que todos temos de evitar que isso ocorra. Cheias acontecem, mas pessoas morrerem ou ficarem desabrigadas não é, nem pode ser, natural. Claro, todos podemos reagir a um desastre, participar da ajuda às pessoas, e muitos fazem isso. Mas políticas publicas não podem ser reativas; precisam ser criadas e aplicadas pensando em prevenir, ao invés de remediar.
Acabo de ver o desabamento de um morro em Ouro Preto, fortemente atingida por chuvas. Um casarão histórico foi esmagado em segundos. Essa era uma área na qual o risco de desabamento havia sido identificado há mais de uma década. Há alguns anos o prédio foi interditado. Os estudos e a tecnologia para preservar a cidade, construída sobre morros, e as pessoas que ali vivem existem há anos. E parou aí. Nada mais foi feito, nem para preservar o morro ou o prédio. Pessoas circulavam intensamente no momento da queda, e se ninguém morreu, foi por acaso.
Assim tem sido manejada a pandemia – e não apenas no Brasil. O principal desastre não é o vírus, e sim a desigualdade. Enquanto houver falta de acesso a vacinas, por problemas políticos ou econômicos; enquanto não houver diretrizes claras e firmes de procedimentos para retomar atividades com segurança, continuarão a surgir variantes. São as vacinas e o comportamento responsável, e não a Ômicron, que trarão o fim da pandemia. Aqui, o governo tem consistentemente se limitado a assistir desastres diversos acontecerem, sem absolutamente nenhum compromisso em criar ações de prevenção – quando muito, oferecendo migalhas de reação ou auxílio.
Estamos tendo, em tempo real, uma aula máster sobre os efeitos de eleger governantes cuja agenda não é o bem público.
Estamos tendo, em tempo real, uma aula máster sobre os efeitos de eleger governantes cuja agenda não é o bem público. Por mais que se concorde com alguma ideia dessas pessoas, não se justifica eleger alguém que não se preocupa em proteger, educar, fortalecer ciência e tecnologia para garantir soberania – e estabilidade econômica. Como um país que depende de agricultura e pecuária não desenvolve tecnologia para otimizar ao menos essas atividades? Estamos aprendendo os limites que existem para a terceirização. Espero que, nas próximas eleições, nem a imprensa nem você deixem um candidato escapar sem explicitar politicas de ciência. Desastres são fruto de displicência e irresponsabilidade. Não vamos deixar acontecer de novo.