“Sua ciência sempre deve ter um toque de rebeldia.” Esse era Edward O. Wilson, grande biólogo que nos deixou, na última semana de 2021, aos 92 anos. Pioneiro no uso de modelos matemáticos para entender como as espécies se organizam em relação ao ambiente, Wilson apaixonou-se a seguir pelo comportamento de insetos sociais. Ao entender sua complexidade, tornou-se o principal, e eterno, defensor da biodiversidade.
Numa época em que só se pensava no DNA, recém-descoberto, aprofundou-se nas interações entre indivíduos de diferentes espécies, consolidando suas observações em um novo campo, a sociobiologia. Audaciosamente, expandiu suas hipóteses para os relacionamentos entre as pessoas, o que lhe valeu o primeiro Pulitzer em 1979, por Da Natureza Humana. Provocou todos a pensarem se o altruísmo, a homossexualidade ou a religião não seriam conexões entre a evolução biológica e a cultural, tão particular ao ser humano. Pela coragem de tais ideias, Wilson foi – e ainda é – atacado, por cientistas e leigos, direita e esquerda. Ainda assim, pacientemente, sentava-se e escrevia com gentileza, buscando clarificar conceitos, desfazendo mal-entendidos.
Ele jamais se importaria em admitir que uma ideia era imperfeita, ou estivesse errada. E essa é exatamente a atitude que fez com que sua contribuição ao debate desses temas evoluísse constantemente – como as espécies – fosse, para sempre, inegável.
Rebelar-se, para Wilson, era não renunciar ao sonho de expandir o conhecimento – mesmo desafiando o status quo. Os ataques de tantos eram apenas parte do que isso custava, e parte do processo e do pensamento de um cientista. Para os que reagem com estranheza a essa lógica científica, lembro sempre que o cinema está repleto de narrativas de alguém que busca seus sonhos. Que faz alguma coisa não por dever ou necessidade, mas porque ama. Essas pessoas em geral não desistem, mesmo em face de incontáveis obstáculos e críticas. O filme ícone desse tema, Campo dos Sonhos, um favorito entre cientistas, mostra o protagonista construindo um campo de beisebol no meio de um milharal. Todos acreditam, e lhe dizem, que ele enlouqueceu: as fazendas e a economia local estão morrendo. Mas ele persiste. Porque sonha.
Mais do que nunca, em 2021, os cientistas mostraram que, sim, conciliar lógica e sonho pode ser um jeito de viver. Neste ano, foram os sonhos de cientistas que inspiraram e, no fim, protegeram a humanidade. Olhando para trás e revendo essa dura jornada, não podemos negar que, como diria Herman Hesse, por ser dura ela não deixa de ser bela.
Wilson entendia que sempre existirão os que apenas enxergam um milharal, no meio do nada. Não seja um deles. Não odeie os que escolheram buscar seus sonhos; não odeie o sonho de expandir a mente e o conhecimento. Neste ano que chega, e nos que virão, tente lembrar qual era o seu. E rebele-se.