Ouvi o escritor Malcolm Gladwell lembrar de que sua definição de inteligência, quando tinha quatro ou cinco anos, era do quanto alguém sabia. Mas que isso mudou ao conviver com os estudantes de doutorado orientados por seu pai, que era matemático. Para eles, o que já se sabia era tedioso. O importante era o que não se sabia. E a inteligência estava em como chegar lá — no desconhecido.
Lembro de passar por isso no meu doutorado. Os sabichões, os bambambãs _ eu vinha de um ambiente que valorizava isso. Subitamente, mergulhei de cabeça num mundo onde as perguntas eram mais importantes do que as respostas. Porque respostas podiam mudar, dependendo de como era feita a mesma pergunta. A inteligência, nesse mundo, era como colocar a pergunta num cantinho, sem espaço pra ela se esquivar, e conseguir a resposta de maneira a não deixar dúvidas. Aí entra a capacidade do cientista em desenhar o melhor teste — como dizemos, o mais elegante. Única forma de se estabelecer um novo patamar, um novo limite. A ser avançado, para fazer... a próxima pergunta! Ser cientista é nunca estar satisfeito.
Para a maioria, contudo, isso não é jeito de viver. As pessoas querem respostas definitivas para seus problemas e anseios. Mas muitas vezes não tiveram a oportunidade de aprender _ ou se tiveram, rejeitam — que a única maneira de chegar a respostas é divisar maneiras de encurralar as perguntas. A pergunta que todos têm me feito, nos últimos dias, é "quando vai acabar a pandemia?". E variações dela — quando vamos poder andar sem máscara, quando volta a normalidade. Para nós, essas são perguntas já ultrapassadas — porque nós já sabemos as respostas, e já as repassamos. Que são variações de: quando vacinarmos a grande maioria da população. A partir do final do ano passado já existiam vacinas, de alta eficácia, disponíveis para o SARS-CoV-2.
A pergunta que nós, cientistas, fazemos agora é: por que isso ainda não foi feito? Por que, numa emergência mundial, não houve uma cúpula internacional para divisar como lidar com a pandemia a nível global? Por que não se despejaram recursos na fabricação e distribuição de vacinas, a partir do momento em que os testes mostraram sua eficácia? Por que não foram desenhadas normas mundiais para vacinação? Por que não foi desenhado um protocolo comum de como manter distanciamento, como usar máscaras, como manter ambientes ventilados — e esse protocolo traduzido em múltiplas línguas e adaptado para diferentes realidades, seguindo um princípio único? Essas são as perguntas que importam agora — quando já divisamos no horizonte as próximas emergências globais — o clima; as próximas pandemias. Essas estão difíceis de responder. Enfim. Vamos lá. Esse é o trabalho.