Um episódio do seriado The Big Bang Theory mostra Sheldon, nosso nerd favorito, tentando sua sorte na biologia: faz peixinhos fluorescentes para seu aquário. Hoje, isso é muito simples de fazer. Ficou muito mais rápido com CRISPR, um sistema de alteração gênica que começou a ser usado há menos de 10 anos – e utilizado pelo cientista chinês He Jiankui, que anunciou ter alterado geneticamente dois embriões humanos que foram a termo, gerando duas meninas.
Um dos projetos em que estou trabalhando envolve gerar um camundongo em que apenas certas células, quando ativadas, fluorescem vermelho vivo; a maioria das demais é verde. Ao contrário do Sheldon, nós não fazemos isso só porque podemos, ou porque é bonito. O projeto visa aprimorar o tratamento de tumores. Para concretizar esse estudo, são necessários anos de planejamento, meses de discussão com comitês de ética e de uso de animais em pesquisa, garantindo o domínio da tecnologia usada, para que não haja efeitos fora do laboratório.
Todos esses documentos são públicos e registrados em múltiplas instituições. Em pesquisas clínicas, envolvendo seres humanos, o processo é mais demorado, e envolve decisões em comitês a nível nacional e muitas vezes internacional. Quem criou estas instâncias de avaliação e acompanhamento foram os próprios cientistas. Embora tenhamos aversão à papelada que acompanha o processo, sabemos que é necessária. Nós, cientistas, sabemos que possuímos a tecnologia para editar embriões humanos. Contudo, ainda não conhecemos os limites de segurança dessa tecnologia, e, portanto, concordamos em não desenhar, executar ou aprovar projetos nesse sentido enquanto não compreendermos melhor esses limites.
No inicio dos anos 1970, em uma pacata cidade da Califórnia chamada Pacific Grove, reuniram-se os cientistas que realizaram os primeiros experimentos de alteração do DNA por técnicas hoje conhecidas como biologia molecular, na famosa Conferência de Asilomar. Alguns, como Paul Berg e David Baltimore, viriam a receber o Nobel; outros, como Herber Boyer, fundariam a primeira empresa de biotecnologia, a Genentech, hoje da Roche. Asilomar traçou os limites de experimentos com edição gênica e decidiu ações para aproximar essa ciência do público. He aparentemente ignorou todos os procedimentos de ética e segurança. Alterou embriões com a justificativa de que os tornaria resistentes a HIV, mas a parte cientifica do seu trabalho não mostra isso; não foram encontrados claros termos de consentimento informado dos participantes. Seus atos não representam o que a comunidade científica luta diariamente para estabelecer: uma clara compreensão da natureza.
Na quarta-feira, circulou a noticia de que ele teria sido preso pelo governo chinês e estaria desaparecido. Típica de um governo totalitário, que sonega informações e restringe as liberdades pessoais, essa não é a maneira de lidar com a situação. Conhecimento traz não apenas poder, mas responsabilidade. Vamos entender o que essa tecnologia traz de bom, e decidir, como sociedade, como utilizá-la da melhor maneira.