Prezado Marcos Pontes,
Quando me falam, hoje, que não podia haver uma escolha melhor que um astronauta para o Ministério da Ciência e Tecnologia, sempre respondo: vai depender. Não nos conhecemos, sei pouco sobre você além das últimas informações que você pôs no seu Currículo Lattes, em 2012, que – explico sempre – é como os cientistas brasileiros familiarizam-se com o trabalho dos colegas. Talvez, mais recentemente, você esteja dedicado a outras atividades, e não há nada errado nisso. Como não há nada errado em você não ter doutorado; além disso, as escolhas dos experimentos feitos por você no espaço envolvem um programa, e não seus projetos individuais. Acho importante haver um programa espacial brasileiro. Acho bonito inspirar crianças a se interessarem por isso e, obviamente, por ciência.
O fato de você ter sido escolhido não me surpreende, pois você é do mesmo partido do presidente eleito, e, portanto, vocês têm interesses comuns. Mas seu sucesso como ministro da Ciência e Tecnologia vai depender de como exatamente esses interesses vão se traduzir para a ciência brasileira. Por exemplo, minha experiência de ciência com Bolsonaro é de que ele foi o deputado que introduziu, no Legislativo, o projeto da fosfoetolamina. Na ocasião, em 2016, toda a comunidade cientifica brasileira, e inclusive a internacional, posicionou-se fortemente contra o projeto. Não existia, não existe – e acabou sendo mais uma vez comprovado, após a infeliz aprovação do projeto – qualquer beneficio do uso desse fosfolipídio como antitumoral. Isso não impediu nosso futuro presidente de usar seus recursos de representante legislativo, com recursos pagos por nossos impostos, para essa empreitada.
Fico pensando em como você reagiria se algo semelhante ocorresse durante seu período no ministério. Seria mais ou menos equivalente a um deputado (ou o presidente) dizer a você que tudo o que você conhece sobre viagens espaciais está errado, e que uma pessoa havia descoberto algo revolucionário, ignorado e rejeitado por todos. Por exemplo, que um foguete pode decolar com a energia de uma garrafa de álcool. Não precisaríamos dos combustíveis desenvolvidos pelo programa espacial – isso seria um engodo. Todos poderiam fazer viagens interplanetárias, se pudessem comprar seu etanol.
Foi exatamente isso o que aconteceu. Tragicamente, muitos interromperam seus tratamentos para tomar fosfoetolamina, prejudicando a si próprios. Contudo, o episódio danificou para sempre a ciência brasileira e seu já quase inexistente relacionamento com políticos e governantes. Isso é inaceitável para um cientista, pois sabemos que a soberania nacional depende da capacidade de desenvolver tecnologia.
Um governo que deseja desenvolver tratamentos e medicamentos nacionais deve apoiar e promover o financiamento de seus cientistas para que façam isso. E também não pode simplesmente repassar isso a empresas. Se você vender todo o programa espacial ao SpaceX, nunca vai desenvolver suas próprias potencialidades, mas apenas trabalhar para Elon Musk. Isso pode ser interessante para alguns, mas não traz independência tecnológica para o país.
Então, eu repito, Marcos. Vai depender. De você.