Parte por natureza, parte por treinamento, olhamos sempre além do que se apresenta, questionando as verdades que a maioria tem como estabelecida. Perguntamos: mas, e se? Só assim podemos avançar no conhecimento, do contrário estagnamos. Há 35 anos atrás, um jovem cientista de cabelos compridos, camiseta, jeans e sandália de couro desafiou seus mestres ao propor que a molécula CTLA-4, uma proteína da membrana das células imunes, servia para transmitir um sinal negativo, interrompendo a resposta imune. O jovem Jim Alisson entendeu que se pudesse bloquear essa proteína, a imunidade que estivesse pausada podia voltar a funcionar. Sua mãe morrera de câncer de mama. Poucos acreditavam, mas Jim, imunologista, sabia que tumores só cresciam se bloqueassem a resposta imune; a melhor arma contra o câncer seria reativar as defesas do paciente.
Nesta manhã de 1 de outubro de 2018, Jim Alisson recebeu o prêmio Nobel de Medicina. Hoje um senhor de 70 e tantos anos, ainda usa o cabelo comprido para lembrar da rebeldia da sua juventude, mas dirige um Porsche vermelho até seu laboratório no MD Anderson, no Texas. A placa do carro diz CTL4, em homenagem à molécula à qual dedicou sua vida. Dez anos depois de Jim Alisson, um outro jovem intenso, japonês, também sobrepujaria seu honorável mentor ao descobrir uma nova proteina, o PD-1, E mostrar que esta seria um segundo freio poderoso do sistema imune, usado por virus e tumores para proliferar. Tasuku Hojo, hoje em seu laboratório da Universidade de Tóquio, divide com justiça o Nobel de Medicina de 2018.
Como estudante de doutorado, acompanhei todas essas descobertas, suas polêmicas. Fascinada pelas palestras de Allison e Honjo, e à revelia do meu próprio orientador, que não se interessava por isso, decidi que essa seria minha linha de trabalho na primeira vez em que vi no microscópio células imunes dentro de um tumor. Por décadas, médicos e cancerologistas foram céticos quanto ao potencial dessas moléculas. Cientistas são céticos - faz parte do trabalho desafiar todas as ideias, as velhas e as novas. Só a evidência é soberana. As descobertas de Allison, Honjo e tantos outros que os seguiram revolucionaram a biologia e o tratamento do câncer. Quebrou-se o paradigma da maneira como a humanidade encarava a doença.
A imunoterapia, o tratamento baseado nessas descobertas, tornou-se o primeiro a mostrar consistentemente remissão completa em pacientes com metástase. As empresas farmacêuticas que correram o risco de apostar nos dois garotos hoje movimentam bilhões ao redor do mundo. Muito ainda não se sabe, o tratamento ainda não funciona para todos, sendo esse o principal desafio atual. Nenhum dos dois teria chegado onde chegou se não fossem todos os outros jovens antes deles que questionaram o status quo. Quem sabe, da próxima vez que alguém que parece um pouco diferente de você, ou do que você acha normal, apresente uma idéia que discorda do que a maioria acredita, você experimenta parar um pouco e pensar: mas, e se?