Na semana que passou, tanto a revista Science como a Nature publicaram artigos endossando mais um termo de mandato para Angela Merkel como primeira-ministra da Alemanha. O cotidiano dos alemães é permeado por uma mistura de dor e tentativa de superação das lembranças do triste protagonismo que tiveram na II Guerra Mundial.
Os mais velhos têm vergonha do que tiveram de fazer durante a ascensão do nazismo. Os mais novos são forçados a recordar regularmente, pois com frequência são encontradas bombas não detonadas, remanescentes dos ataques dos aliados, e o perímetro precisa ser esvaziado para lidar com a situação.
A Alemanha ficou arrasada não só por bombardeios, mas por exterminar e expulsar seus maiores cientistas e pensadores. Hoje, como a maioria dos países desenvolvidos, deve sua condição de potência a uma mistura de democracia liberal, foco em educação, e forte apoio para ciência e tecnologia.
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Merkel tem doutorado em Física, pela Universidade de Leipzig, e é hoje talvez a principal governante a manter uma saudável oposição à onda mundial de conservadorismo e anticiência que avança pelo planeta. Sua abordagem pragmática de governo vem da sua formação científica. Questionada sobre como lidaria com a crise dos refugiados do Oriente Médio em 2015, respondia com um lacônico We can do it ("Nós podemos"). Uma foto recente de um encontro entre Trump e Merkel, publicada no site Politico, trazia a provocadora legenda: "Líder do mundo livre recebe Donald Trump".
A figura repulsiva de Trump, defendendo interesses na contramão das tecnologias de energia limpa, questionando eficácia de vacinas, fechando fronteiras e tratando neonazistas com indulgência, faz com que o mundo gradualmente deixe de olhar para os Estados Unidos como modelo. Enquanto Trump desgoverna os EUA, apoiado por uma bancada republicana sem plano concreto para o país, Merkel costura uma coalizão com os principais partidos que comporão o próximo governo alemão. A maioria deles (Sociais Democratas, Verdes, Democratas Cristãos, Democratas Livres) é unânime: é preciso apoiar fortemente ciência e educação, abrindo as fronteiras e provendo financiamento para atrair talentos de fora da Alemanha.
O governo trabalhará junto com as principais indústrias para garantir os programas de excelência científica já iniciados no país, desonerando os Estados e investindo em tecnologia de ponta. As exceções são a extrema esquerda e a extrema direita. Enquanto a primeira é contra os gastos com os programas de excelência, a segunda não se pronuncia sobre ciência. A ideologia oblitera mentes e entrava o progresso.
Merkel deve ganhar por entender e defender que apoiar educação e ciência, com mente aberta, é o único plano capaz de reerguer um país aniquilado. Ironicamente, a nação que era o símbolo de tudo isso hoje fomenta as ideias que um dia levaram à derrocada alemã. Não é tarde demais para nós, no Brasil, exigirmos e trabalharmos em um plano para o país. We can do it.