Quem nos escreve é Afonso L., gaúcho agora radicado em Petrópolis, Rio de Janeiro: "Prezado professor: sua última coluna sobre xucro ou chucro me animou a fazer esta pergunta: sempre ouvi falar no bumbo legueiro, aquele tamborzão que os argentinos tocam nos estádios e nas manifestações de rua, e que já vi entre os instrumentos de muitos conjuntos gauchescos. Como sou veterano e já voto na fila de prioridade máxima, muito ouvi na antiga Rádio Nacional a Emilinha Borba cantando um baião que dizia "Bate o bumbo, Sinfrônio, bate o bumbo para chamar o pessoal". Agora, no entanto, tenho visto com maior frequência a forma bombo, que parece, como no caso do xucro, estar disputando a vaga de bumbo, e com vantagem, ganhando até a preferência do Manual de Redação de um dos grandes jornais do país. O senhor já disse que essas mudanças são fatos naturais da evolução da língua, mas confesso que fico nervoso quando vejo muita coisa que aprendi perder o valor que tinha".
Caro Afonso, não há motivo para pânico em exemplos como estes; citando a antiga anedota, calma que o leão é manso. As únicas alterações que geram incômodo e insegurança para todos nós são as que vêm no bojo das reformas ortográficas: vamos dormir escrevendo de um jeito e acordamos em outra realidade, com regras que passam a valer a partir da nova aurora e que vão viger até que um bando de irresponsáveis resolva mudar tudo de novo. Mas sobre isso prefiro não falar porque não adianta. Eles são muitos, nós somos muito poucos.
O caráter peculiar da regra ortográfica é, por sua própria natureza, a instantaneidade de seus efeitos. Escrevia-se, até 1972, mêdo, côr, tôda, almôço, êle — e num vapt-vup o certo passou a ser medo, cor, toda, almoço, ele. Em suma, a nova forma tomou o lugar da antiga, que passou a ser errada.
Bem diferente é o caso do bumbo e do bombo. Elas são formas concorrentes, isto é, vêm disputando há séculos a preferência dos usuários. Uns defendem o bumbo por considerarem-no um parente da zabumba, atribuindo a ambos uma origem africana. Outros defendem o bombo por ver nele uma contribuição do Espanhol (na Argentina, o nosso bumbo legueiro é "bombo leguero" — aquele cujo som chega mais longe que uma légua, o que quer que isso signifique no sistema métrico.
Além dessas, há centenas de situações em que a própria língua culta hesita entre as formas variantes. Como definir qual a melhor escolha? Nos dicionários, como os tigres e os cordeiros no Paraíso, convivem pacificamente alguns bês com alguns vês — assobiar e assoviar, taberna e taverna, vasculhar e basculhar, bergamota e vergamota, por exemplo. O cê alterna com o quê em quatorze e catorze, quociente e cociente, quota e cota, quotidiano e cotidiano. É só escolher. Podemos optar também entre vórtex e vórtice, cálix e cálice, hélix e hélice, apêndix e apêndice. E ainda entre bêbado e bêbedo ou hemorróidas e hemorróides. E também entre gérmen e germe, espécimen e espécime, abdômen e abdome. E que tal entre lida e lide, nereida e nereide, nômada e nômade, vitrina e vitrine? No bufê, também podemos escolher livremente entre arranco e arranque, porcentagem e percentagem, decalco e decalque, vitrina e vitrine.
Todas essas palavras estão registradas nos dicionários e documentadas no extenso córpus construído a partir da obra acumulada por todos os autores que até agora escreveram em nosso idioma — e só não apresento mais exemplos desse tipo porque cacetear o leitor é pecado imperdoável e porque acho que os exemplos que dei acima já são suficientes para justificar meu conselho: não fiques nervoso, amigo Afonso. Aproveita a riqueza que a língua te oferece. Faz tuas escolhas; a tua lista não será igual à do teu vizinho, com certeza, mas isso não importa. És livre. Exatamente por isso os grandes jornais constroem um manual de redação próprio, onde reúnem o conjunto das escolhas "da casa", deixando-as bem definidas e catalogadas para evitar que cada colaborador introduza suas preferências nos textos da publicação. Ah, em tempo: a soma de todas as tuas opções é o que chamamos de estilo. O teu estilo.