A pergunta vem de uma assistente social paulista que pede que eu não mencione seu nome nem a cidade de onde escreve. No e-mail, ela explica que prefere não ser identificada porque poderia expor o seu chefe direto a uma situação embaraçosa. Diz ela: "Prezado professor, trabalho num setor público que elabora pareceres sobre projetos apresentados por diversas ONGs. Sempre submeto meus textos ao chefe do setor, que os tem aprovado integralmente. Desta feita, porém, eu e ele tivemos uma divergência sobre um termo que empreguei.
Avaliando a atuação positiva de uma dessas ONGs, escrevi que a "campanha feita em prol da vacinação infantil naquele bairro tinha sido muito efetiva". Ele me devolveu o parecer e me perguntou, gentilmente, se em vez de prol eu não deveria ter escrito pró — afinal, disse ele, não falamos o tempo todo em grupos anti e pró-vacinas? E aí? O que o senhor aconselha? Mudo ou deixo como está? O gozado é que eu usava prol instintivamente, mas depois que ele perguntou estou achando esta palavra muito esquisita mesmo".
Minha cara leitora, bem-vinda ao clube! Diziam os gregos que é deste súbito estranhamento, desta perplexidade diante das coisas que nasce todo o pensamento filosófico; eu me arrisco a dizer que, mutatis mutandis, isso também vale para a linguagem. Vivemos confortavelmente instalados no mundo das palavras, movendo-nos entre elas sem lhes prestar muita atenção — até o dia em que alguma coisa (a pergunta do teu chefe, por exemplo) dissipa esse véu da inocência e nos obriga a pensar...
Concordo contigo: vista de perto, prol é realmente um monossílabo bem esquisito. Ninguém sabe muito bem a sua origem; os dicionários mais prudentes preferem calar a propor explicações do arco da velha, como a que consta no Houaiss. O bom padre Bluteau, a quem cito sempre que posso, chega a dizer em 1728 que era "palavra antiquada" (embora mais tarde, como as pandorgas, os ventos do idioma tenham-na feito alçar voo mais uma vez). No início, era usada como um sinônimo de lucro, de proveito, como no antigo provérbio português "Quem não anda por frio e por sol não faz seu prol". Em seguida, também se tornou um adjetivo com o sentido de importante, destacado: "Seu primo Leandro Barbalho, do Ouricuri, homem de prol, a quem o filho não desmentiu nas obras" (José de Alencar) ou "Meu irmão, homem de prol, de respeito de quantos o conheciam" (Raquel de Queiroz). Por fim, ganhou novamente prestígio e passou a ser usado normalmente na expressão em prol de (em defesa de, para o benefício de, a favor de) — como fez Machado de Assis em Esaú e Jacó ("Sabes a conclusão do autor em prol da tese de que o homem é difícil de governar") e como tu mesma fizeste no parecer que mencionas.
O final feliz de toda essa discussão é que teu chefe também estava certo, à sua maneira. O prefixo pró-, antônimo de anti- ou de contra- (pró-americano/antiamericano, pró-sionista/antissionista), poderia também ser usado no tal parecer (pró-vacinação), mas a tua escolha foi melhor, já que, no caso, não havia uma relação antitética dos que são contra e dos que são a favor.
Não sei se reparaste, escondidinha em tua mensagem, outra dessas palavras estranhas que passam despercebidas: feita. Não se trata aqui do particípio feminino do verbo fazer ("a casa foi feita de pau a pique"), nem do adjetivo que significa completa, pronta (mulher feita), mas sim de um substantivo, usado em expressões idiomáticas de valor temporal, como certa feita, desta feita, daquela feita, etc., onde assume o significado de oportunidade ou de vez.