A pitoresca consulta vem da leitora Analice R., natural de Curitiba, que está fazendo uma pesquisa acadêmica sobre a moda naquela cidade durante o 2º Império. Diz ela: "Professor, tenho coletado dezenas de anúncios dos principais magazines daquele período e várias vezes deparei com nomes de roupas e de adereços que eu desconhecia totalmente. Para não abusar de sua boa vontade, peço-lhe que me ajude a entender exatamente o que seriam fichus de cassa e chiquitos de marroquim, itens anunciados por uma das lojas que importavam moda da Europa".
Prezada Analice, entendo perfeitamente o teu problema. Sempre que leio nossos autores do séc. 19 sei que vou empacar, aqui e ali, com vocábulos que pertenciam à tecnologia do passado. Algumas áreas semânticas são as piores: primeiro, vêm os tipos de veículos em que nossos personagens se deslocavam; ao contrário de qualquer moleque da época, eu não consigo distinguir um tílburi de um faetonte ou de um fiacre — sei apenas que eram "aplicativos" de tração animal.
Depois vêm os termos náuticos (lembrando que os navios eram o único meio de transporte de longa distância). Para quem não é navegador, o léxico é incompreensível. A respeito disso, aproveito o miniconto da escritora argentina Ana Maria Shua, no seu livro La Sueñera: "Baixar a bujarrona!— grita o capitão. Baixar a bujarrona!— repete o imediato. Orçar a bombordo!— grita o capitão. Orçar a bombordo!— repete o imediato. Olho no gurupés!— grita o capitão. O gurupés!— repete o imediato. Abater a verga da mezena!— grita o capitão. A verga da mezena!— grita o imediato. Enquanto isso, a tormenta recrudesce e nós, marinheiros, corremos de um lado para o outro do tombadilho, desconcertados. Se não encontramos logo um dicionário, vamos direto para o fundo!".
Por fim — e chegamos à primeira parte de tua pergunta — vem o vocabulário riquíssimo daquela arte que se costumava chamar de "corte e costura". Como muitos meninos da minha idade, muitas vezes acompanhei minha mãe ou minha irmã em suas visitas à costureira; enquanto aguardava impacientemente as inúmeras provas que eram feitas antes da versão final da roupa, ficava matando o tempo implicando com o indefectível gato manhoso (geralmente um angorá) ou com o cachorrinho irritadiço (sempre um pequinês rabugento).
Destas intermináveis sessões, certas palavras, embora eu não saiba muito bem o que significam, ficaram guardadas para sempre como pedrinhas coloridas: anarruga, fustão, cretone, batista, morim… Agora, cassa eu nunca tinha ouvido; o amansa-burro me informa que é um tecido semelhante à musselina, "muito leve, diáfano, quase transparente" — bem adequado, portanto, para um fichu (sem acento, como qualquer oxítona terminada em U).
Apesar das variantes que existem, um fichu é um tipo de lenço quadrado, dobrado ao meio para formar um triângulo, que as mulheres elegantes, com os decotes generosos da moda de então, usavam sobre os ombros, geralmente com as duas pontas amarradas num nó frouxo ou unidas por um broche. No início, era reservado à elite. Em 1883, escreve Machado de Assis em seu conto História comum: "Sou um simples alfinete vilão, modesto, não alfinete de adorno, mas de uso, desses com que as mulheres do povo pregam os lenços de chita, e as damas de sociedade os fichus, ou as flores, ou isto, ou aquilo". Pouco a pouco, no entanto, tornou-se popular por sua praticidade, e hoje faz parte, inclusive, da idumentária de nossas prendas.
Finalmente, a segunda parte da pergunta deu menos trabalho: marroquim é um tipo de couro ainda hoje muito usado em artefatos de viagem de luxo e na encadernação refinada de livros, enquanto chiquito era um termo usado em Portugal, certamente derivado do Espanhol, para sapatos infantis.