A pergunta vem do Rio de Janeiro: para se referir ao ato de vangloriar-se, o leitor Werner E. utilizou espontaneamente o vocábulo vangloreio. Em seguida - não conheço os detalhes do seu caso, mas sei muito bem como funciona comigo - alguém (ou seu próprio anjo da guarda) instilou-lhe a tortura da dúvida: é moeda corrente, ou estou imprimindo dinheiro falso? Não encontrou o termo no dicionário, mas, muito sabiamente, não encerrou aí a sua busca, porque há muito compreendeu que nossa língua é muito maior que o dicionário, o qual, aliás, jamais teve a pretensão de ser completo. Daí sua consulta a esta coluna: "A palavra existe, ou estou inventando moda?".
Bem, prezado leitor, se eu fosse obstetra, teria de informar ao pai da criança que ela nasceu com um pequeno defeito (o jargão político diria que ela tem "um vício de origem"): só os verbos que terminam em –ear trazem no seu DNA a possibilidade de gerar substantivos derivados com sufixo –eio. Por isso temos, dentre muitos, exemplos, custeio, floreio, bombardeio e bloqueio, filhos de custear, florear, bombardear e bloquear, respectivamente. Como vemos, vangloriar não preenche este requisito genético indispensável.
No entanto, um bom médico acrescentaria: "O defeito é pequeno e nada impede que a criança cresça saudável". Mestre Luft sempre ensinou que uma palavra mal formada pode "pegar" - e depois que pega, ninguém mais faz despegar. Um excelente exemplo é o sempre citado caso de vestibulando. O sufixo -ando é acrescentado a verbos da 1ª conjugação para formar um novo termo com o significado adicional de "aquele que vai". O formando é o que vai se formar, o alimentando é o que vai ser alimentado, o doutorando é o que vai se doutorar, e assim por diante. Ora, para entrar na Universidade prestamos um exame de entrada, um exame vestibular (adjetivo que obviamente vem de vestíbulo). Por causa da terminação, no entanto, os falantes atribuíram erroneamente a esse adjetivo o status de verbo e bingo! Nasceu vestibulando, que obviamente não é "o que vai se "vestibular". E daí? Quem vai impugnar um vocábulo que só no meu Google passa de meio milhão de ocorrências?
Mais esquisito ainda é o caso da consumação, aquela importância que pagamos para entrar em certas casas de espetáculo e bares mais requintados. Aqui ocorreu aquele fenômeno que eu poderia chamar, meio desrespeitosamente, de cruza de jacaré com cobra-d'água. Consumação é o ato de chegar ao término de alguma coisa: "a presença do vizinho impediu que o suspeito consumasse o crime", "o candidato não vê hipótese alguma de se consumar um golpe de Estado", "No filme, Mastroiani representa um siciliano que não consegue consumar seu casamento com a então belíssima Claudia Cardinale".
Ocorre que aquela quantia cobrada pelos bares se refere ao consumo mínimo que se espera de cada frequentador - termo pertencente, portanto, à família de consumir, não de consumar. A rigor, deveríamos então usar aqui a forma consumição, velha palavra que era usada aqui no Brasil principalmente para designar alguma coisa aborrecida ou cansativa, como neste exemplo de Artur Azevedo: "(filhos) Eu tenho três, três! Mas que consumição! Que canseira! Quando não está um doente, está outro; quando não está outro, está outro; quando não está nenhum, está a mãe; quando não está a mãe, está o pai".
Eu disse deveríamos, mas não foi isso que aconteceu. Em um plebiscito invisível, optamos unanimemente por consumação em seu lugar, e pronto — assunto liquidado. Podemos dizer o mesmo de vangloreio: não nasceu pelo processo normal, mas está aí. Há poucos exemplos de seu emprego - na área acadêmica, é claro, porque, afinal, vangloriar-se não faz parte do vocabulário popular -, mas sua utilidade é indiscutível, como podemos ver na advertência que um delegado paulista fez aos repórteres sobre a cobertura de um rumoroso caso de assassinatos em série: "Uma vez que os psicopatas gostam da ostentação e do vangloreio, vocês não devem fazer alarde para que ele saiba o que está sendo feito na investigação”. Tenho absoluta certeza de que é um vocábulo que veio para ficar, pois, além de útil, tem a aparência de palavra formada dentro dos preceitos — e isso é fundamental para a sua aceitação.