A jovem editora de uma revista corporativa, cujo nome prometi não mencionar, vem, com certa razão, contestar uma antiga tradição de nosso sistema ortográfico: "Professor, eu gostaria de saber se palavras estrangeiras que já fazem parte do nosso vocabulário (inclusive constam em nosso dicionário) precisam ser grafadas em itálico. Minha dúvida está nas seguintes palavras em especial: best-seller, overdose, slogan e internet. Pesquisei em alguns lugares, mas ainda não me convenci de tal necessidade. No Aurélio essas palavras aparecem com uma seta na frente, indicando que são estrangeiras, e no Houaiss, elas estão em itálico. Como devo proceder? Penso que se tais palavras já fazem parte do nosso dia a dia não existe a necessidade desse "destaque", mesmo porque temos tantas palavras estrangeiras incorporadas em nosso vocabulário que daqui a pouco estaremos escrevendo metade de cada frase em itálico... estou errada?".
Cara leitora, tenho de convir que tua observação é extremamente sensata. O princípio de escrever em itálico (ou grifo, como era chamado) as palavras estrangeiras tem um objetivo bem razoável — distinguir as palavras que vieram de fora das palavras nativas, justificando, assim, o fato de ostentarem combinações de letras que a nossa língua não admite. O termo slogan, por exemplo, tem uma sílaba inicial exótica, inexistente nos nossos padrões silábicos. No atual estado de coisas, temos duas opções: ou o deixamos em itálico (mais ou menos como comunicar aos leitores que eu sei que é estrangeiro, mas vou usar mesmo assim, seja porque preciso dela ou porque gosto de imaginar um refinamento que não tenho), ou adaptamos o termo aos nossos padrões, fazendo com que ele praticamente passe despercebido na multidão.
No caso de sport, stress, ski ou snob foi muito fácil escapar do itálico: completamos a sílaba inicial com o E de sempre e damos a eles uma fisionomia absolutamente comum. Vais concordar que esporte, estresse, esqui e esnobe não mais chamam atenção por sua aparência. No caso de slogan, como de vários outros, no entanto, a emenda fica pior que o soneto: o horrendo eslógão está à disposição nos dicionários, mas ninguém, até hoje, teve coragem de tirá-lo para dançar. É claro que no caso de overdose nada disso seria necessário, porque ela, assim mesmo como está, não destoa das palavras comuns, mas nem todas têm essa sorte e precisam (como está na moda) de um pouco de botox e de uma harmonizaçãozinha facial.
No teu caso, como responsável pelo texto de uma publicação com autonomia, tens a liberdade — que eu não tenho, por exemplo — de estabelecer uma linha de editoração mais moderna, mais a teu gosto, deixando sem itálico aquelas palavras que, no teu entender, são tão frequentes que já foram absorvidas pelo nosso léxico, a tal ponto de figurarem em todos os nossos dicionários, como airbag, deck, perestroika, piercing, podcast, spoiler, tablet. Não estarás, assim, cometendo erro algum; a decisão de usar o itálico e, mais ainda, a decisão de considerar que determinada palavra ainda deve ser considerada estrangeira é individual – basta ver como os dois dicionários que mencionas acima divergiram na forma de apresentar os verbetes.
Só tenho um reparo final: não te preocupes, que não temos tantas palavras estrangeiras assim. Posso te assegurar que o léxico estrangeiro (isto é, o que não é nem vernáculo, nem estrangeiro já nacionalizado) não chega a 1% do nosso vocabulário. Quanto a isso, podes ficar tranquila.