A leitora Anaís W. envia uma das mais estranhas perguntas que recebi nestas duas décadas de O Prazer das Palavras: “Para ajudar minha irmã, fico dois dias por semana cuidando da minha sobrinha de seis anos, que é quase uma filha para mim. Ontem ela me fez tanto carinho que eu, quando devolvi para a mãe dela, disse que ela tinha a filhinha mais abraçosa e beijosa de todas as que conheço. Eu criei essas palavras; elas têm seu próprio significado, mas não existem! Queria começar a usá-la, mas se outras pessoas usarem, gostaria que ficasse claro que fui eu que inventei. Gostaria de assumir a autoria destas palavras e consequentemente registrá-las, é possível? Me disseram que quem trata disso é Academia de Letras ou a Biblioteca Nacional, mas não sei como faz. O senhor pode me ajudar?”.
Minha cara Anaís, não me queiras mal, mas vou te desenganar de saída para não te expores por aí com essa ideia absurda. Há no mínimo dois bons motivos para esquecer tudo isso. O primeiro é cristalino: ninguém pode registrar a autoria de uma palavra (se é que palavras podem ter um autor). É claro que poderias registrar uma empresa com o nome de Abraçosa (posso imaginar em que ramo de atividade...); neste caso, aí sim, só tu terias o direito de explorar este nome. O nome, friso, mas não a palavra.
O segundo talvez te desaponte ainda mais: aqui não houve invenção, aqui não houve criação nenhuma da tua parte. Essas duas palavras – abraçosa e beijosa – já estavam prontinhas, há séculos, no grande depósito subterrâneo onde ficam as infinitas prateleiras em que o Português guarda seu vocabulário. Ali, desde o início, beijosa estava ao lado de beijista, beijatriz, beijadora e beijadeira - todas são combinações possíveis do radical beij- com os sufixos de sempre. Até agora os falantes do idioma tinham mandado subir apenas as duas últimas, que tiveram muito boa aceitação. As demais, não tão atraentes, ficaram lá embaixo, criando poeira, até que tu resolveste dar uma chance para beijosa. Ela veio à luz do dia, mas, se queres a minha opinião, não vai ter muitos adeptos. Como as esculturas na areia da praia ou aqueles insetinhos efêmeros (do Grego, “que só duram um dia”), ela vai voltar para o grande arquivo de onde veio.
Para teu consolo, fica sabendo que milhares de palavras já surgiram e desapareceram assim. Como disse um linguista da velha guarda, milhares de sementes são lançadas ao solo mas poucas chegam a virar uma árvore. São formações momentâneas, expressivas, adequadas a uma situação muito específica, mas que chamam demasiada atenção por sua novidade e estranheza e não atingem a frequência de uso das palavras comuns. Já registramos, aqui, o divertido verbo boquiabertear, derivado de boca-aberta (“tolo, distraído”), em frases como “Ele boquiaberteou e aproveitei para fugir”. Nas redes sociais, encontrei também serumaninho (“pequeno ser humano”) e tiaminho (um “te amo” mais derretido, que ainda pode ficar mais meloso: tiaminho muitão). A campeã, porém, até agora, é “Não se preocupem; quando ele pegar o microfone, os outros calabocar-se-ão!”.